sábado, 26 de dezembro de 2009

Tallinn
























Tallinn é a capital de um pequeno país encostado ao Báltico chamado Estónia.
Segundo as estatísticas a Estónia é habitada por pouco mais do que 1 milhão de pessoas e fora de portas, espalhados pelo mundo, contam igual número de estonianos.
Foi o destino escolhido, pela empresa onde trabalho, para a viagem de outono de 2009.
A passagem foi curta mas ainda assim interessante.
Os estonianos só há duas décadas é que sabem o que é ser independente. O país foi ocupado por todos e mais alguns. Destaque para o período de ocupacão sueca, descrita pelos locais como "the good old swedish days". Parece que foi nessa altura que o país mais cresceu em termos culturais, direitos, económicos, etc. O rei sueco permitia uma autonomia larga e investia nas artes, educacão, etc.
Os últimos ocupantes já não foram tão simpáticos e só sairam empurrados, pela perestroika do Miguel Gorbachov.
Como em qualquer cidade da Cortina de Ferro, a heranca arquitectónica é de fugir. Blocos e mais blocos de cimento, sem cor, sem vida e sem sentido. É o chamado conceito de Design by José, o Estaline. Neste caso ainda é mais grave porque a Estónia, além de pertencer ao bloco de leste, tinha o seu território como parte da URSS. O presidente era um fantoche colocado directamente (durante décadas!) pelo comité central.
Não é preciso explicar que os estonianos têm um ódio de morte aos russos. Conseguiram ainda assim, durante todas as ocupacões, especialmente a russa, manter uma identidade nacional, com as suas tradicões, o ensino da sua língua, etc.
O estoniano pertence à mesma família linguística que o finlandês e o húngaro. É a coisa mais parecida com bárbaro que já ouvi. É complicadíssimo perceber uma palavra que seja.
O ponto de maior interesse em Tallinn é a parte velha da cidade. Um pedaco de história onde os russos não tocaram (uma das loucuras de Estaline foi destruir monumentos da era dos Czars) e que sobrevive até hoje num estado de conservacão impecável. Só estas ruas justificam por si uma visita a Tallinn.
As pessoas são de uma simpatia extrema (algo que me tinha escapado em qualquer país de leste até agora visitado), falam inglês fluentemente (o nível de educacão é bastante elevado...a geracão dos meus avós já tirava cursos superiores) e a "old town" é uma jóia a descobrir.
Tenho sempre particular interesse, quando visito países de leste, em ver o que os russos deixaram para trás. Goste-se ou não, fizeram parte da história e influenciaram a vida de vários povos. Acabei por encontrar uma antiga sede do KGB (última fotografia). As janelas sem cortinas e tapadas com cimento não foram feitas por acaso. Era uma forma de abafar o som dos interrogatórios do KGB. Imagino...
Não me parece que qualquer país dos chamados estados bálticos (Estónia, Letónia e Lituania) seja propriamente um destino turístico, contudo, se alguém se aventurar por estes lados e dada a dimensão do país, não deve perder na Estónia, para além da cidade velha em Tallinn, uma pequena cidade mais a sul chamada Pärnu.
Pärnu é a estância balnear dos estonianos. Uma pequena cidade lindíssima, com uma praia de areia branca e fina, no mar báltico.
Algo que me diz que vou lá molhar os ossos.







Dubrovnik

































Na minha segunda passagem pela Croácia, resolvi descer a costa e visitar uma cidade que me tinha escapado em 2004, Dubrovnik.

Não me arrependi.

Dubrovnik é, sem qualquer dúvida, a pérola da Croácia. Não direi pérola desconhecida porque este país dos Balcãs é hoje em dia um destino turístico sobejamente conhecido e Dubrovnik é mais ou menos, o Algarve lá do sítio. Olhando para a costa croata, onde curiosamente o Adriático é bastante mais limpo e cristalino do que no lado italiano, fico com a sensacão que estão no limite para passarem a ser um destino de massas. A melhor altura para explorar este país já passou certamente mas nota-se uma certa preocupacão governamental em organizar o turismo, proteger os parques naturais, etc. A costa da Croácia é um verdadeiro encanto e o governo parece ter consciência disso. Até nos Balcãs percebem isso...pergunto-me como não conseguimos nós em Portugal evitar a degradacão da costa e do turismo, lá para os idos de 80.
Dubrovnik é banhada por um mar tão transparente que as actividades de snorkeling, de que entretanto me tornei fã, resumem-se a entrar na água com uma máscara. Perto ou longe da costa, tanto faz. É baixar a cabeca e ver os encantos do mar.
Em redor da cidade há um sem número de ilhas com praias para todos os gostos: rochosas, de areia, etc. A beleza natural deste canto da ex-Jugoslávia é absolutamente fascinante. Mas, apesar da natureza esplendorosa, Dubrovnik é muito mais do que sol e mar. A costa do Adriático, no lado croata, tem alguns "restos" da IIGG. Aviões e barcos que fazem as delícias dos mergulhadores. O Reino de Veneza passou por aqui há uns séculos atrás, tal como o Império de Habsburgo e isso é bem visível na arquitectura que deixaram. Há uma opcão de conhecer a história local, que não aproveitei, de kayak. Navegando em grupo pela costa e entre ilhas, onde as casas e locais têm histórias para contar.
No que à cidade de Dubrovnik diz respeito, a sua "old town" fortificada, hoje em dia património da Unesco, é o principal chamariz.
Esta pequena cidade fortificada foi bombardeada durante a guerra da independência por Sérvios e Montenegrinos (a fronteira com o Montenegro dista poucos km de Dubrovnik e os Montenegrinos foram os "cães de ataque" dos Sérvios durante a guerra ). O exército croata deixou a cidade sem defesa porque nunca acreditou que os sérvios bombardeassem um património histórico importantíssimo, contudo, sem qualquer valor militar.
Enganaram-se e Dubrovnik foi arrasada por 8 meses de bombardeamentos (se não me engano...). Hoje em dia, na entrada do forte, é possível ver num mapa as zona destruídas. Diria que poucas paredes sobraram...
É isso que torna a visita ainda mais impressionante. A cidade foi recuperada pelo seu traco original e é absolutamente incrível a obra realizada.
Ao percorrer as ruas da cidade velha fico com a sensacão que estou numa pequena Veneza. Tal como acontece um pouco mais a norte, na cidade de Split, a presenca italiana nota-se em cada esquina e dá a este lado do Adriático um cunho histórico muito interessante.
Constatei também que, apesar de este ser um destino turistico muito falado no centro e norte da Europa, ainda é pouco explorado em Portugal. Ou pelo menos era na altura em que fui, dado que poucas agências ofereciam este destino e as que o faziam, tinham precos pouco apelativos.
Uma ressalva para quem visita Dubrovnik ou qualquer ponto da costa croata: praias com areia "à la Portugal", fina e com quilómetros de extensão, simplesmente não existem. Na ilha de Lokrum por exemplo, situada em frente a Dubrovnik (5a e 6a fotografia a contar de cima), há uma enorme praia quem vem referida no mapa. Dei um salto ao local e constatei que as pessoas usavam um dos lados da ilha, totalmente rochoso (rochas planas), para se estenderem como se fossem lagartos ao Sol. Para mim não era nada de novo porque na suécia também chamam praia a rochas ao lado da água, mas confesso, não é bem o meu estilo. A praia que fica ao lado da cidade (2a fotografia) já é mais "confortável". Areia nem vê-la mas aqueles seixos bem alinhados até disfarcam a dor. A água, essa não tem paralelo, é maravilhosa em qualquer ponto costeiro.
Há história, há cultura e há arte. Há um mar único e um novo conceito de praia (para ver a mesma coisa ficamos em Portugal não é?).
Uma última nota para o alojamento. Pacotes com hotel incluído são um erro. Tenho a impressão que cada habitante de Dubrovnik tem um apartamento para alugar...os precos são em conta e claro, para quem tem algum talento para a coisa, há sempre espaco para regatear. A oferta é grande e a margem de manobra para pechinchas enorme.
O bilhete de regresso já está marcado.







Sarajevo
































O objectivo desta viagem era atravessar a Bósnia e Hercegovina de norte a sul e pernoitar em Sarajevo, a capital do país.
Estava informado sobre a história recente do país, da situacão política e da seguranca que oferecia a turistas (total!).
O que eu não sabia e descobri da pior maneira, é que o país tem montanhas por todo o lado e auto-estradas só em sonhos. O mesmo é dizer que atravessar um país praticamente sempre em montanha é, em português corrente, um pincel.
As paisagens eram majestosas mas ao fim de 10 horas só queria 500m em recta.
Outro detalhe importante prende-se com o mapa do país. Todos sabem que o território é uma manta de retalhos mas os mapas não assinalam enclaves e coisas do género.
Mal passei a fronteira encontrei uma placa a dizer "Bem-vindo à Sérvia". Olhei para trás e vi a bandeira azul e amarela da Bósnia. Fiquei confuso. Entretanto perguntei a uma pessoa que estava parada dentro de um carro o seguinte: "Amigo, estamos na Sérvia ou na Bósnia".
Ele respondeu "Bósnia".
Deduzi então que estivesse num enclave sérvio. Nas negociacões de paz da guerra da Bósnia o Milosevic conseguir retirar umas fatias ao país com o argumento da maioria sérvia. Esses enclaves pertencem à Sérvia, mas não me parece que os bósnio-croatas e bósnio-muculmanos aceitem isso. Concluí também que a pessoa que me dera a informacão não era certamente sérvia...
Os 500 km seguintes foram de aprendizagem sobre esta manta.
Quando as placas informativas apareciam em cirílico, estava num enclave sérvio, em árabe numa zona de maioria muculmana. Alfabeto como o nosso estava em zona croata ou mista.
Não sei como é que esta gente se entende...
Até Sarajevo a paisagem é dominada pelo verde e por zonas rurais. Parece um país parado no tempo, ainda dominado pela agricultura de subsistência.
Sarajevo foi a primeira cidade digna desse nome que vi, também ela rodeada por colinas.
Aliás...foi a partir dessas colinas que os sérvios bombardearam e cercaram a cidade durante 3 anos.
As marcas continuam perfeitamente visíveis em todo o lado. Aqui e ali um edifício recuperado, mas há buracos de bala por todo o lado. Na cidade vivem pacificamente todas as etnias. Há mesquitas, igrejas católicas, bandeiras muculmanas, bandeiras bósnias, zona de comércio muculmana, etc.
Apesar de estar bastante degradada, gostei de Sarajevo. A cidade tem o seu quê. Talvez seja a sua parte histórica. Além do recente cerco, também foi ali, na ponte latina que Franz Ferdinand foi assassinado, servindo este episódio como desculpa para o início da IGG.
Achei as pessoas simpáticas, simples e atenciosas. Como bom garfo fiz questão de provar a especialidade local: "cevapcici".
Um enorme casqueiro aberto e recheado de carne de carneiro, acompanhado por cebola picada.
Óptimo para o hálito.
Gostei da experiência mas não me parece que lá queira voltar.
Fico no entanto com a curiosidade de perceber como estará a cidade daqui a 10 anos, depois de um esforco de recuperacão e de mais uma década de paz.












Istambul
























Istambul é uma cidade fascinante. Provavelmente, de entre aquelas que visitei, a que mais história respira.
A razão para isso é simples: a localizacão.
Istanbul é banhada pelo mar da Marmara, que no fundo estabelece o ponto de ligacão entre o Mediterrâneo e o mar Negro. A capital turca é a única cidade do mundo dividida entre dois continentes, neste caso Europa e Ásia. Atravessando o estreito que liga o mar da Marmara ao mar Negro, na direccão deste último, vemos o continente europeu na margem esquerda e o asiático na direita. Compreende-se assim que Istambul tenha tido uma importância estratégica ao longo dos séculos. A cidade foi capital dos impérios romano, bizantino, latino e otomano, até conseguir a identidade turca que hoje se conhece, no fim da I GG.
Escusado será dizer que em cada esquina há um vestígio de qualquer povo...
Há até monumentos que foram convertidos consoante o império dominante. O melhor exemplo será a mesquita "Hagia Sofia" (3a foto a contar de baixo), provavelmente o mais emblemático monumento de Istambul, que apesar dos terramotos e das batalhas, se aguenta por ali há mais de 1000 anos. Comecou por ser uma igreja Bizantina e mais tarde (por volta do séc XVI acho eu...) foi convertida para mesquita quando os Otomanos conquistaram a cidade.
Não há muito tempo via um documentário sobre um túnel (para o metro se não engano) que estava a ser construído no mar da Marmara para ligar a parte asiática com a parte europeia e aliviar um pouco o trânsito. Já com o projecto bem avancado tiveram que parar tudo porque durante as escavacões alguém descobriu um porto romano inteiro.
Acho que este é o exemplo que melhor ilustra Istambul e a sua riqueza cultural. Qualquer cão que tente esconder um osso dá de imediato com um anel de César ou com um turbante do Sultão.
Mais de 10 milhões de pessoas vivem em Istambul. Há confusão, barulho e movimento. Quase que me sinto em casa.
E as pessoas, ao contrário do que eu pensava (acho que levava uma impressão baseada nos turcos que por aqui vivem), são extremamente simpáticas e bem dispostas.
Sendo Istambul a única parte da Turquia que está na Europa, não acho sinceramente que a cidade seja o espelho do resto do país, mas veremos noutras andancas de mochila às costas.
As mesquitas, os palácios, os mercados, as vistas para o mar da Marmara, os passeios de barco em direccão ao mar negro são alguns dos "a não perder" que a cidade oferece.
Nota para a comida. Come-se bem e barato (quando se foge dos restaurantes dos turistas). Particular destaque para o "pide" (belo nome para se mastigar) que é um género de pizza em forma de barco (2a foto a contar de cima) e que basicamente por levar tudo e mais alguma coisa lá em cima.
O bónus que Istambul me ofereceu, e aqui é apenas uma curiosidade para um fã do Mr. Bond, foi passar por cenários já pisados pelo rei dos martinis secos. O farol no meio do mar da Marmara onde Pierce Brosnan e Sophie Marceau fizeram o "The world is not enough" e a enorme cisterna romana (também descoberta por acaso...quem diria? - última foto) onde Sean Connery andou de barco para vigiar a embaixada russa em "From Russia with love".
Istambul tem o problema de não ser uma cidade totalmente segura, pelo menos segundo o padrão europeu. Os problemas com os separatistas do Curdistão turco dão origem, aqui e ali, a umas bombitas. Lembro-me de ler sobre a explosão de três bombas, uma semana depois de lá estar.
Mas, e seguindo um chavão do séc.XXI, onde é que se pode estar seguro hoje em dia?
Não me lembro de muitos sítios, por isso, é a visitar minha gente.
Esta é daquelas a que faco questão de voltar.












domingo, 15 de novembro de 2009

Tanzânia

Para mim não existe o conceito de "viagem da vida". Defendo que a melhor é sempre a próxima. Mas há viagens que nos trazem momentos únicos, especiais, marcantes e inesquecíveis. Há, sem qualquer sombra de dúvida, destinos que deixam mais marcas do que outros. A Tanzânia é um desses casos. Em fevereiro de 2008 embarquei numa pequena aventura dividida em três partes: safari, subida ao ponto mais alto de África (Kilimanjaro) e sopas e descanso numa praia do Índico (Zanzibar). Na altura escrevi sobre isso no meu outro blogue. Acho que não há relato mais verdadeiro do que aquele feito em cima do acontecimento. Resolvi por isso recuperar a crónica aqui na Estacão Central.
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19 Fev 08

Por onde comecar?
Não sei. É que não sei mesmo.
Estas 3 semanas que hoje terminam carregam um conjunto enorme de sensacões.
Umas boas, outras nem tanto, mas todas inesquecíveis.
Colocá-las em forma de texto será o próximo desafio.
Mas hoje não. Estou muito cansado e só me apetece olhar.
Boa noite.






































































20 Fev 08
Segunda tentativa
Acho que vou comecar pelo princípio.
Se bem me lembro é aí que tudo comeca. No início.
É um pouco difícil descrever sensacões. O sol na pele, o cheiro da montanha, a areia a escorregar nos dedos, o azul turquesa do mar.
O sorriso de uma crianca, a inocência de desconhecer.
Pouco mais do que sensacões encheram a bagagem no regresso.
Ainda assim tentarei descrevê-las.
A Tanzânia é um dos países mais pobres do mundo. Está no top 5 dessa infeliz lista. Essa verdade molda os olhos para a realidade esperada.Os últimos a largar o osso (depois de portugueses, árabes e alemães), foram os ingleses. Em 1961, quando a Tanzânia conseguiu a sua independência, tinha 120 médicos e maior parte da populacão (90% se não me engano) era analfabeta. 120 médicos para mais de 30 milhões de habitantes.A pergunta é óbvia: além de abanar o chicote, o que mais fizeram os ingleses por lá? Nos últimos 40 anos, a aposta do país foi essencialmente a educacão. O ensino básico é óbrigatório. A taxa de iletrados reduziu drasticamente mas durante anos o país gastou 30% do que produzia para pagar a dívida externa. Na década de 90 maior parte dessa dívida foi perdoada e desde então os sucessivos governos têm tentado sair da pobreza extrema. Apostaram essencialmente no turismo e mostraram inteligência na forma como o fizeram. Em vez de construirem campos de golfe ou oásis no deserto, limitaram-se a nacionalizar as riquezas do país: os imensos parques naturais. Com isso conseguem atrair turistas para safaris ou caminhadas na montanha.Isto poderia ser um bom impulso, não fosse a Tanzânia um país africano. A corrupcão existe e é levada à letra. Esse é sem dúvida o grande obstáculo ao desenvolvimento. Não é original, principalmente no continente, mas é um facto.Nos últimos dias que por lá passámos, um visitante ilustre (W. Bush ) criou um novo garrote para o desenvolvimento do país. 700M de dólares muito festejados pelos locais, que passarão as próximas 3 geracões a pagar uma nova dívida externa.No terreno, e no que toca ao turista, a experiência foi avassaladora. De contrastes diria. Alegria ao ver um elefante no seu habitat. Alegria ao assistir a um nascer do sol a 5800m de altura. Felicidade ao ver a fauna marítima e o silêncio reconfortante do índico.Tristeza ao ver uma crianca esfarrapada a estender a mão. Tristeza ao ver condicões de vida. Tristeza ao perceber como se consegue viver no meio de tanta miséria. Peso na consciência ao ver carregadores a levarem os meus 20 Kg montanha acima, de calcões, sem casacos e com ténis calcados no lugar de botas.A vontade é de andar nu. Para acalmar a consciência e ter a certeza que nada mais temos para dar. Fica sempre aquela ilusão de que podemos mudar o mundo. Mas não podemos. Há uma crianca que naquele dia tem um chocolate, uma camisola. Um carregador que ganha um casaco para a chuva. Outro que fica com umas calcas mais quentes. Mas no geral tudo fica na mesma. Uma miséria que nos faz pensar nos desiquilíbrios do mundo. Ao viajar contribuímos para a economia do país. Ao pagar o orcamento pedido para subir uma montanha (orcamentos bem europeus diga-se), espera-se que a parte de leão vá para o desgracado que alomba montanha acima e que faz o negócio acontecer.Mas não. Esse fica com 4 dólares por dia. 4 dólares meus amigos, para quem como eu não liga ao euro, significam 500 paus. 500 paus por dia. Costas vergadas e sempre a subir.
Na estrada torna-se normal ver a polícia mandar parar carros com turistas. O objectivo é claro e fazem-no de forma descarada: pedir dinheiro.
Sem mais nem menos. Ordem sim, mas no bolso de cada um.
Levantando um pouco a cabeca sobre os humanos, tento desligar-me e ver a beleza da paisagem. E que paisagens.Na primeira parte da viagem, o Safari, o que mais me impressionou foi a
cratera de Ngorongoro. Há quem lhe chame a oitava maravilha do mundo. Para mim, foi como viver (por dentro) um BBC vida selvagem. Imaginem uma gigantesca cratera onde animais selvagens vivem livremente e onde a lei dominante é a lei da selva. Sobrevive o mais forte. Embora não viva nenhum ser humano na cratera, os Maasai têm permissão para andar por ali com o gado a pastar. Segundo este maasai que aparece aí na foto do post anterior, se os leões não atacarem o gado, eles também não atacam os leões. Se algum leão filar o bofe, lá têm que ir 3 maasai jogar às setas com o leão. Há profissões mais giras, convenhamos.Antes de tudo comecar perguntei ingenuamente: "Existe a hipótese de não ver animais?"No fim corei de vergonha. É necessário desviar o carro para não bater neles. Depois de uns dias a brincar ao National Geographic, saltámos para Zanzibar, mais concretamente para a costa Este, em Matemwe.Zanzibar, um antigo território árabe (depois de um século de domínio português), pertence desde há umas décadas à Tanzânia. Ao contrário do que acontece no continente, aqui, maior parte da populacão é muculmana e a estabilidade é menor, pois o desejo de uma independência total ainda se faz sentir.Em Matemwe julgo que encontrámos um pedaco do paraíso. Pelo menos na forma como eu o imagino. Areia branca, água quente e clara, corais lindíssimos, uma gastronomia (swahili) de chorar por mais. Podia ter ficado por lá mais tempo. Nadar, ler e ver Nemos ter-me-ia enchido as medidas por mais umas semanas.Snorkeling, uma mariquice que nunca tinha experimentado também me deixou rendido.Tubo na boca, barbatanas no pés e cabeca dentro de água. Silêncio, tranquilidade, paz, a profundidade dos corais e o colorido dos peixes que parecem não se importar com a minha presenca. Cereja do dia: saltar do barco em alto mar e nadar no meio de golfinhos. Que dia!Passados 5 dias de fabuloso descanso regressámos a Moshi e com vista para o Kilimanjaro iniciámos a parte final da nossa viagem.De 5 possíveis rotas, escolhemos a Machame, mais conhecida como Whiskey (há outra rota denominada coca-cola). A rota escolhida, é das mais difíceis, mas é aquela que permite mais tempo de aclimatizacão (isto escreve-se assim?). O maior problema desta subida era a altura extrema a que nos iríamos sujeitar e por isso ter tempo para que o organismo se habitue a funcionar com menos oxigénio era a chave. Na véspera da subida encontrámos um grupo de portugueses que nos aconselhou a tomar um medicamento (diamox - para combater a "doenca da altitude") desde logo. Nós que pensávamos usar o diamox quando a doenca (vómitos, dores de cabeca, etc) aparecesse, resolvemos seguir o conselho dos patrícios. Cheira-me que foi o que nos safou. Ou pelo menos a mim que tenho dores de cabeca como quem come pastéis de nata.Seis dias a subir desde os 1800m até aos desejados 5895m. As dores de cabeca apareceram sim, mas nada que nos impedisse de cumprir o objectivo. Até chegar aos 4600m, andámos por floresta tropical, vales imensos, paredes de rocha, planaltos deslumbrantes. Achei especial piada à névoa. Era bastante personalizada. Ora tapava tudo, ora desaparecia e nos deixava ver as neves do kilimanjaro, para 5 minutos depois voltar a tapar tudo. O momento Kodak aparecia quando a névoa deixava! Também achei piada ao contorcionismo necessário para me lavar numa bacia com 20 cm de diâmetro. Lavadinho sim, o suficiente para não colar. Mais não dava...No fim do 5º dia chegámos ao último acampamento antes da subida ao topo. Dormimos umas horas e comecámos a subida à meia-noite. 8 horas a subir com luzes de mineiro na cabeca. Passo lento como em toda a caminhada. Pole-pole dizem os guias. Devagar, devagarinho. Três passos de gigante e o coracão dispara para a goela. Correr e coisas do género ficam para mais tarde. Sem oxigénio até mastigar cansa.
Já perto do topo o previlégio de ver o sol nascer. Que momento inesquecível. Que vista fabulosa no topo de África. Os glaciares, a cratera (o Kilimanjaro é um vulcão adormecido) e aquela sensacão de estar tão perto do Sol. Depois das fotos da praxe (a que não faltou a da bandeira), mais 3 horas a descer para o acampamento base, 1 horita de sono e mais 4 a descer até aos 3000m onde dormimos. 15 horas no total. Quando a bacia de 20cm chegou eu já estava por tudo...Apesar do esforço físico desta última semana, estas férias trouxeram-me a paz e a tranquilidade que há muito procurava. Regresso de África com a alma cheia, com energia redobrada, com a noção real do que nos separa, com a certeza de que vivo noutro planeta e com uma imensa vontade de voltar ao continente.
Mocambique? Porque não?