segunda-feira, 30 de abril de 2012

Pequim



























Acabo de chegar de Pequim.
Vá lá...não é bem "acabo".
"Regressei aqui há atrasado de" é que seria a frase inicial correcta. Perde-se em impacto mas ganha-se em rigor.
Por outro lado...quem é que quer ler relatos precisos, detalhados e "chapa 5" da realidade? Comprem antes a Rotas & Destinos camaradas.
Dizia eu...Pequim.
Como avaliar cada destino no fim de uma jornada? Eu tenho uma métrica simples: "Gostaria de viver aqui?"
Como não sou um rapaz muito esquisito, pouquíssimos são os sítios até aqui visitados onde não seria capaz de viver. Isto quer dizer uma de duas coisas...ainda vi muito pouco ou então, tal como os russos, onde pouso a mala, passa a ser "casa". Um pouco das duas.
No caso da capital chinesa a resposta é clara como água: não! Não seria capaz de viver em Pequim nem que o Jackie Chan me oferecesse a casa.
A economia chinesa cresce, como todos sabemos, a uma velocidade "2 dígitos". A sua principal cidade é o reflexo disso. Os arranha-céus aparecem nos subúrbios e vão comendo a "velha Pequim" em direccão ao centro. Dentro de uns anos sobrarão apenas Tiananmen e a Cidade Proibida como recordacão da China milenar.
O ar é tão poluído que ao fim do dia, depois de várias horas a caminhar, mal conseguia abrir os olhos.
Tenho normalmente espirito aberto para novas culturas e, se anseio por descobrir outros continentes, não me posso queixar das marcantes diferencas para a cultura/hábitos europeus. É exactamente essa diferenca que procuro. Como tudo na vida, algumas "diferencas" são mais fáceis do que outras. Pequim é uma cidade segura. Há esquemas para enganar turistas (como em qualquer cidade com visitantes) mas nada que alguma preparacão não evite. Andei longe das zonas turisticas no meio da "Pequim real" e nunca me senti minimamente ameacado. As meninas que se aproximam para "treinar o inglês", a passagem de notas falsas no troco, os táxis do mercado negro, os comerciantes com precos "só para turista", as excursões para a grande muralha com "direito a 2h em fábricas de jade", etc, etc. Está tudo nos livros.
Já a higiene é todo um outro filme.
Por recomendacão (tripadvisor) resolvi ficar a dormir na zona velha da cidade. Aquela parte onde as ruelas estreitas com casas baixas (Hutongs) ainda não foram devoradas pelo "progresso". O hotel (Beijing Double Happiness Courtyard Hotel) é um verdadeiro achado. Sigo quase sempre as dicas de outros viajantes. Se 500 pessoas dizem que é bom...não devem estar enganadas. Neste caso, todos os elogios são mais do que merecidos.
Nesta parte da cidade cada bairro tem uma rede de WCs públicos. É estranho sair de manhã e ver o pessoal com o penico na mão a caminho da retrete (no caso deles do "buraco no chão"). Voltei a 1984 e ao parque de campismo da Costa da Caparica. Por outro lado, olhando para os WCs reparo que são relativamente novos...imagino a javasquice há uns anos atrás.
Os chineses, pela amostra de Pequim, são, como dizer isto sem ofender, porcos. É isso. Porcos.
Cuspir, mijar, defecar e assoar (para o chão, à la Futre) fazem parte da "cultura". Certo, certo, certo. São as tais diferencas. Na Arábia Saudita atiram pedras bicudas a mulheres, na China borram-se na via pública. Vendo e aprendendo.
Deu-me um bocado a volta ao estômago confesso. Queria sentar-me num dos restaurantes desta zona e "comer como os locais", mas já não consegui. O gajo que se assoava para os dedos transportava as espetadas na caixa de plástico da bicicleta, entregando-as depois ao amigo que, numa cozinha envolta em paredes pretas (e não era tinta) as fritaria para mim. Ok, ok. Onde é que estava aquele restaurante com as estrelas Michelin mesmo?
Reza a lenda que durante os jogos olimpicos a populacão levou uma ensaboadela para não cuspir na via pública e tentar mostrar uma face mais civilizada aos milhões de visitantes esperados para o evento. Imagino a corrida às escarradeiras no fim das olimpíadas...deviam estar a ressacar. Vaaaaaaaaaaai.......já se foram embora......tudo a cagar no meio do chãoooo outra vez!!!
Convém dizer que, qualquer turista que siga o percurso "by the book", não vê nada disto. A zona das "hutongs" onde dormi aparece nos guias como "uma zona a visitar". Ou seja, passam por lá de riquexó e saiem sem parar na casa de partida. Saltam a "verdadeira China" mas ganham no vómito.
Assim que os chineses descobrirem para que serve uma sanita, uma passadeira desenhada numa estrada e uma fila de espera, estarão no séc.XXI.
Agora...porque é que apesar disto tudo Pequim é uma cidade imperdível? Por tudo o resto.
Para comecar, pelo pato à Pequim. Comi naquelas paragens o melhor pato da minha vida. Parece um lugar comum, mas é verdade.
A cidade proibida. O imenso refúgio dos imperadores que todos conhecemos no filme de Bertollucci. É absolutamente incrivel. Para quem ficou com esse filme na memória, percorrer aquelas ruas tem um sabor especial.
A praca Tiananmen palco de importantes manifestacões politicas. A devocão ao "Chairman Mao". A propósito, para quem morreu há mais de 30 anos, está com boa cara. A cera resulta.
Para mim o ponto alto foi a grande muralha. Nem poderia ser de outra forma. Ao contrário do que se publicitava, a muralha não se avista da lua. Foi uma manobra de propaganda como aquela do W.Bush ter um cérebro.
A muralha foi um projecto falhado, essencialmente isso. O objectivo era proteger o território chinês das invasões inimigas. Quase tão fácil como cercar a Sibéria de arame farpado (uma ideia brilhante do Estaline).
Os exércitos de Khan partiram da Mongólia e arrasaram a muralha. Os japoneses invadiram a China com aviões ("Honda, o que é aquilo ali em baixo? É a muralha do Mao, Suzuki!!").
Contudo, o fracasso militar originou um negócio da China para o turismo. A muralha foi a primeira loja dos 300. É de facto impressionante, imponente e bonita. Pequim tem 3 ou 4 seccões da muralha, a mais próxima a 60km da cidade, na direccão das montanhas. A vista é deslumbrante e a subida interessante. Se existir uma lista com os "10 marcos a visitar antes de bater a bota", a muralha será certamente um deles.
Fiquei com pena de não ter provado espetada de barata ou de escorpião. Essa sim, uma diferenca cultural que teria valido a pena.
Fica para a próxima passagem por Pequim, no fim do transsiberiano.