terça-feira, 14 de maio de 2013

Uruguai, costa Oeste
















Já o Uruguai foi todo um outro filme. Do que está escrito no post anterior, entenda-se.

O objectivo era ver/ouvir/sentir  exactamente o contrário do que tinha vivido na capital Argentina. Trocar a confusão pela paz do campo. Ou qualquer coisa parecida.

Mesmo em frente a Buenos Aires está uma “cidade” chamada Colonia del Sacramento. Uma quase vila alentejana que, em tempos, foi território português e que servia, entre outras coisas, para fazer contrabando e rivalizar com os espanhóis que se sentavam em solo argentino. Sempre os nobres ideais do grande povo Luso.

Claro que isto deu pancada de meia-noite e o território mudou de mãos como um microfone ao som de “morena, ó morenita” . O resultado foi uma cidade fortificada, com restos de Portugal e Espanha que, muito bem, os Uruguaios aproveitaram para elevar a património da Humanidade e com isso, atrair muitos turistas.

Atravessámos o Mar del Plata e 1h depois chegámos ao Uruguai. Como sempre levava os calções na mochila. Tanto faz se me desloco para a Gronelândia ou para as Bahamas. Se há água tenho que me molhar. Mas não, não aconteceu…
Dizia Vinicius a Toquinho, antes de fazer soar os primeiros acordes da Garota de Ipanema, “Vamos fazer direitinho como fazíamos lá no nosso show em Mar del Plata?”. Desde então que esta zona povoa os meus pensamentos. Quando lá cheguei, bom, confesso que não encontrei a tonalidade desejada. Quase 200 km entre Sacramento e Montevideo, toda a costa Oeste do Uruguai, escorria entre o castanho claro e o castanho escuro. Decididamente não é a minha praia. Nem da garota de Ipanema provavelmente.
Se nos caos de Buenos Aires já estava em casa, na paz de Colonia esse sentimento entranhou-se. Cada desconhecido na rua acenava com a cabeça e dizia “bom dia”. Sem “buenos”. Mesmo “bom”. Parte da herança? Talvez.

As casas, a rua de pedra solta, as lojas, os cafés. Tudo estranhamente familiar, ali, tão longe de casa. Faltou açorda no menu para estarmos em Borba.

Colonia é uma cidade simpática e a parte histórica, entre as muralhas, muito bem conservada. Curiosamente, ou não, dividida em duas partes: a metade portuguesa e a metade espanhola. A nossa é muito mais gira e tem melhor vista para o mar. Ninguém nos passa a perna quando o assunto é divisão de território.
Resolvemos alugar um carro e explorar um pouco a costa, passando por aldeias e vilas a caminho de Montevideo. Não serão propriamente vilas ao estilo suíço (embora uma por acaso se chamasse “Nova Helvécia”) mas serão provavelmente um retrato fiel da vida fora dos grandes centros, na América do Sul. Gostei de ver, sinceramente gostei. Dispensava as moscas entre a minha boca e o gargalo da garrafa na tasca, mas isso, faz parte do roteiro.

Também gostei do conceito de auto-estrada. Tem rotundas, aldeias, inversões de sentido e paragens de autocarro. Sempre a aprender no Novo Mundo.
A estrela da tarde foi uma herdade onde, há largos anos, uma família produz vinho, cria gado e serve manjares dos deuses. ”Bodega Bouza” é o nome, nos arredores de Montevideo. Só pelo que ali trinquei já valeu a pena o sofrimento das 13 horas a voar. Que experiência!

Passeava por ali um rato gigante que ao que parece se chama ”capivara”. Boa gente também.

Uma palavra de agradecimento para os brasileiros que enchem aquela zona como turistas. Graças a eles, vi pela primeira vez nativos em Castelhano a tentarem usar o Português como forma de comunicação. E que bem que isso me soube. Só para variar…

Muito simpáticos os uruguaios. Fiquei com uma excelente impressão.

Regressei a Buenos Aires com a costa Oeste uruguaia no olhar. Foi bom passar por ali. E se tivesse mais tempo teria seguido para o Rio Grande do Sul, no Brasil. Fica sempre um nó por desatar.

Já a chegar ao caos argentino, vejo Fernando Nobre, o nosso camarada da AMI.

Pensava, erradamente, que estaria a fazer a travessia do deserto, quando afinal era no barrento Mar del Plata que trilhava o seu caminho.

Então e voltar? Claro que sim. Parece que na Punta del Este acontece o Algarve uruguaio e o Atlântico recupera o seu tom azul. Deve ser giro acompanhado com mate.
Uma caixinha de surpresas este pequeno Uruguai.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Buenos Aires




























Ora...por onde comecar a prosa? Talvez pela preparacão da viagem. Exagero, exagero e mais exagero.
Tudo o que li, os avisos, os esquemas, os roubos, a inseguranca não bateram certo com o que vi. Já me lembrei de procurar os mesmos fóruns de debate e ver quem é que descreveu Buenos Aires como se fosse o faroeste. Se for um Suico, um Alemão, um Norueguês ou um Japonês, ainda compreendo, porque de resto, do sul ao leste da Europa, Africa, Ásia e América...duvido que alguém se sinta inseguro em Buenos Aires, de dia ou de noite (pelo menos na maior parte dos bairros). Para um Português, circular na capital Argentina é como comer uma francesinha em frente ao Ipanema Hotel ou beber uma ginja com a comunidade africana que se reúne à volta do teatro nacional. 
A melhor forma de descrever Buenos Aires é curiosamente a que uma amiga usou: "primeiro estranha-se e depois entranha-se". É isso. Tal e qual.
É uma cidade enorme, caótica e "cansada". Há lixo por todo o lado e prédios, de goela aberta, pedindo socorro em cada esquina. É um reflexo do crescimento rápido da metrópole. Depois de se libertarem dos espanhóis, milhares de argentinos correram para aquela que continuou a ser a sua capital. As poucas (e bonitas) casas coloniais não foram suficientes para albergar a nova enchente e a construcão disparou, sem arte nem engenho. Um pouco o que acontece por todas as grandes cidades da América do Sul. A história repete-se e as imagens também.
Passado o choque inicial comeca a simpatia pelo local. As pessoas, a comida, as esquinas, os cafés, os parques, o requinte, a paixão, os sons, o castelhano que não soa a Madrid. A melhor forma que tenho de descrever Buenos Aires é que, depois do primeiro sono, já me sentia em casa.
E tudo passa a ser normal. Os 3 precos, consoante a pessoa a que pergunto, de um bilhete para o Boca Vs River. Um empregado de balcão a negociar o preco de uma cerveja comigo dentro do restaurante. O acampamento permamente dos veteranos das Malvinas. A carne servida em doses divinais. As "papas" fritas que arroz é para meninos. Os cafés das tertúlias. O senhor que vende chá em San Telmo e dá o toque amigo: "virem a mala para a frente que aqui há muito gamanco". Os brasileiros que enchem cada paragem do autocarro e reclamam quando o mesmo chega. "Meu filho, você não está cumprindo os 20 minutos de intervalo! Assim não!". A Evita espalhada por todo o lado e com uma beatificacão digna de uma cosmética estalinista. A mães de Maio que ainda hoje choram os filhos desaparecidos na "guerra suja".
O momento em que entro na Praca de Maio e vejo uma manifestacão. Penso de imediato em grandes causas políticas e lutas nobres. Mas cheira mal. E não é em sentido figurado. Cheira mesmo mal. A suor, a pouca água, a muita erva. Há muitos Bob Marleys em volta. Está-se bem. Aproximo-me de um e pergunto: "O que reclamam?". "Legalizacão da marijuana. Já é uma luta antiga...vamos ver se é desta!", responde. É isso. Deixem lá a constante flutuacão da moeda e 1/3 do país abaixo do limite da pobreza. Rodem antes isso por todos e curtam um Gardel bem alto.
Outra supresa, o tango. Não é a minha praia confesso e tinha da arte uma ideia algo enfadonha. Valente chapada de luva branca nos Cafe Los Angelitos (San Telmo) com um espectáculo fantástico e diferentes versões de tango (do clássico ao electrónico). Muito, muito bom. Fiquei fã.
Andar de táxi também é uma experiência digna de se viver. O rapaz que pensou em pintar os tracos nas estradas é, por esta altura do campeonato, o argentino mais triste do mundo se ignorarmos o Maradona depois de uma reunião com o fisco em Roma. É indiferente o número de faixas. As largas e compridas avenidas de Buenos Aires levam o número de carros que for possível encaixar, de forma paralela e com distâncias de seguranca entre 3 e 5 cm. E os olhos sempre postos naquele vidro da frente. É certo que cada carro tem mais 5 vidros, mas tal como os piscas, são extras. Aquilo a que na decoracão do lar chamaríamos de "bibelot". Uma senhora quase em idade de reforma explicava o problema da inflacão, da estagnacão dos salários, das intermináveis obras. E enquanto fazia isto o táxi deslizava entre autocarros, paredes, motas e bicicletas. Sim, há doidos que arriscam a vida numa bicicleta. O espaco abria-se. O gajo da esquerda apitava, mas parava. O da direita encolhia-se. O da mota nem tentava. A velhota parecia o profeta no Mar Vermelho. E de 5 cm em 5 cm, lá atravessámos a cidade sem tocar em nada. Devia fazer parte das atracões turisticas, tal como La Boca ou Gardel.  
Foi esquisito voltar para casa. Buenos Aires foi um excelente anfitrião para a minha primeira vez no sul do continente. Se voltarei? Não sei. Tomei 3 "xanaxs" e mesmo assim não adormeci. Devo ser feito de cortica. Gramei as 13h de viagem sempre com a pestana aberta. No fim desta estucha ainda levei com trovoada na aproximacão final e um B747,  que com toda a sua envergadura, parecia um avião de papel nas mãos de uma crianca chateada. Quando o silêncio se instalou depois do capitão gritar, "voltem para os vossos lugares", disse a mim próprio..."já está". 
Mas não, não está. Assim que me esquecer voltarei. Até porque tenho que subir ao Machu Pichu, descer o Chile até à Terra do Fogo e ver o deserto de sal na Bolívia.
O barco de Lisboa para o Rio de Janeiro dura só 7 dias. É um pulinho.