segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O Ártico

Em 2007, juntamente com um grupo de amigos, fiz uma das viagens da minha vida: o Kungsleden.
O Kungsleden é um trilho com início no circulo polar Ártico, em território sueco, que nos conduz até à montanha mais alta do país durante 100km de puro contacto com a natureza. A aventura começou em Gotemburgo num comboio que em 24h nos transportou para Abisko, a porta de entrada do Kungsleden. Seguiram-se 6 dias de caminhada, a mais dura que alguma vez fiz na minha vida e depois, o ataque ao cume. No fim do trilho, e com as pernas em papa, seguimos para a costa norueguesa onde recuperámos do esforço junto à inesquecível paisagem dos fjords.
Na altura escrevi sobre esta viagem no Albarcuel. Tal como fiz com o relato da Tanzânia, vou usar a mesma crónica e ser fiel às emoções.

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Antes - 28 de Junho de 2007


"Esta noite comeca uma nova aventura.
Longe de todo e qualquer barulho ou confusão. Quatro camaradas aterram em Gotemburgo, para se juntarem a mim e à Sofia numa passeata nos confins do mundo. Dentro do circulo polar ártico vamos fazer parte do
Kungsleden, o trilho mais famoso na Suécia, com o objectivo de chegar ao topo do Kebnekaise, a montanha mais alta cá do burgo (o que não quer dizer que seja muito alta...). Dizem os locais que uma vez no topo, num dia limpo, avista-se 1/8 do território nacional. Nota para mim: levar os óculos.
No cardápio da montanha nada faltará. O mundo do "é só juntar água" passou a ter um novo sentido para mim. Nem o velho e fiel Nestum faltará.
Espera-nos um total de 110 Km durante 6 dias de pura natureza. A mente vai sair de lá limpa. Sei que vai.
No fim da nossa caminhada, se "sobrevivermos" aos mosquitos que devoram os Samis (povos originários da Lapónia sueca) todos os anos, seguiremos para Flåm, uma pequena vila na costa oeste Norueguesa (na foto), onde estão os maiores fjords do mundo. Explorá-los de kayak é o objectivo. Montanha, verde. Água, azul. Coisas simples é tudo o que o corpo pede e o cérebro agradece. Já estou totalmente fora deste escritório. E acho que ninguém me leva a mal.
A teoria está estudada mas tudo é desconhecido. E essa é a parte boa. A descoberta. Olho pela janela e vejo chuva. Vim trabalhar de casaco. Está frio. Não me poderia incomodar menos. O desejo de férias é tal que até podem cair pinguins do céu. Vistas daqui, as 24h de comboio que nos esperam até ao Ártico são um autêntico Spa. Nada me tira a boa disposicão neste momento. Rigorosamente nada.
Há mosquitos com fartura no norte ? Eles que venham..."até os comiémos carago!!"

Para quem aqui chegou, fica o desejo de umas excelentes férias e de um bom descanso. Eu e o Albarcuel voltamos na segunda metade de Julho. Até lá."




















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Depois - 16 de Julho de 2007

"O regresso à realidade coloca-me problemas que entretanto já tinham fugido do cartaz. Roupa passada. Horários. Barba feita. Supermercado. Ahnn??
Nos últimos 15 dias tive apenas uma preocupacão (várias vezes por dia): "Como passar este rio sem molhar os pés?". O que normalmente era resolvido com aquela técnica muito científica do "que se lixe".

As férias resolveram acabar. Uma pena. Estávamos a criar uma saudável e proveitosa cumplicidade quando elas me abandonaram. Tal como Paulinho "Uhhh-acho-que-fiz-asneira-ao-colocar-a-minha-lideranca-em-questão" Portas, também eu necessito deste dia para reflectir.
Corro algumas das fotografias tiradas pelo grupo. Ponho-me a pensar e sinto que uma aventura foi concluída com êxito. Durante uma semana caminhámos entre vales e montes em pleno Ártico num total de 120 Km.
Não pensámos que a escolha da época baixa fosse um problema. O Kungsleden era para todos nós um trilho turístico. Da minha parte imaginava-o quase de passadeira vermelha...
a realidade foi bem diferente.
A época baixa para caminhadas acontece logo após o término da época de Ski (que acaba em Junho). Isto significa que o gelo das montanhas está a derreter criando vários riachos e vales perfeitamente alagados. Aquilo que todos pensavam ser um rota fácil passou a ser uma aventura diária. Para ser sincero, nessa vertente, a satisfacão de ter chegado ao fim ainda é maior.

Depois do primeiro dia (o único feito com os pés secos) de caminhada, entrámos em zonas de trilhos rochosos onde cada passo tinha que ser pensado para evitar pés ou tornozelos partidos. Escusado será dizer que ninguém tinha botas...não fomos de chinelinho, mas os calcões não faltaram.
Seguiram-se zonas de neve até ao joelho onde percebemos pela primeira vez que os pés secos seriam uma ilusão.
Ao fim de 4 dias e 86Km chegámos ao refúgio base do Kebnekaise, a montanha cujo topo queríamos atingir. Entre mazelas físicas, picadelas de melga e muito cansaco, resolvemos ficar todo o quinto dia de molho. Cartas, sauna e sono. Pouco mais.
No dia seguinte, com novo ânimo e pernas um pouco mais frescas, tentámos a subida ao pico da Suécia.
9Km num desnível de 1600m e 10 a 15h de caminho.
Foi a parte mais perigosa do percurso. Neve, alguns penhascos e muito vento. O topo foi atingido e a satisfacão gozada apenas 7 horas depois. Já debaixo de um duche quente. Ás paisagens que admirámos ao longo de todo o percurso juntámos a vista do topo da Suécia. Silêncio e imensidão. Imagens que guardarei. O regresso à civilizacão foi feito na manhã seguinte. De helicóptero. As mochilas estavam mais leves mas já ninguém as queria carregar.
Ver o último trilho bem alagadinho também foi um belo momento. "Percorre-lo" com os pés a 200m de altura, parecendo que não, cansa menos. E não molha.

Nunca passei por uma experiência destas. As pernas saíram cansadas mas a alma chegou limpa. Inesquecível.Na segunda semana resolvemos descer a costa da Noruega (de carro). Mais de 1800 Km de fjords numa paisagem única e vibrante a cada curva. A Noruega é um país lindíssimo e a "Auto-estrada do Ártico" o percurso mais bonito que alguma vez fiz.
"Auto-estrada" é o nome que vem nos guias, mas é mesmo só o nome.
Não existem auto-estradas na Noruega (e parece que TGV's também não...malta pooobre....). A "auto-estrada do Ártico" é uma nacional cheia de curvas que contorna os imensos fiordes que recortam a Noruega. 1800 Km numa só faixa que passaram a correr.

Escolhemos um fiorde e por lá ficámos em paz. A vista do Atlântico acordou-nos todos os dias. Rena e bacalhau (ou "bacalao" como escrevem os locais) em vez de febra e sardinha. Nada mau. Nada mau mesmo.
Que dias.
E que bom foi receber esta malta por cá. Custou-me tanto ver-vos entrar no terminal de embarque de novo. Mas fica a recordacão. Uma boa recordacão. Com imagens. Muitas.
Terminada esta comeco já a pensar na próxima. Não durante muito tempo. Apenas hoje.
É a única forma que conheco de aguentar esta segunda-feira.
Bom dia.
"

Roma










Roma é caótica, suja e quente.
As pessoas gritam, os condutores não sabem para que servem aquelas listas brancas pintadas no chão e as fachadas imploram uma pincelada de tinta.
Escusado será dizer que adorei. Quase que me senti em casa.
Há por ali pontos que cruzam a Lusitana confusão ou não vivêssemos todos debaixo do mesmo sol.
Roma é uma autêntica cidade museu. Antiga capital do vasto e riquíssimo império romano, é hoje um ponto de passagem obrigatório para quem gosta de História.
Das grandes capitais europeias (Londres, Paris, Roma, Berlim e Madrid) é de longe a mais mal tratada. Se César (qualquer um deles excepto o Nero) visse o estado de conservação de Roma, ainda davas umas valentes voltas na cova.
Detalhes imagino eu...provavelmente se Roma fosse uma cidade austríaca estaria coberta de verdejantes parques e cristalinos passeios, mas, tal como a fibra óptica, não seria a mesma coisa.
Assim, atenção com a malta das vespas e forca nessas solas. Há muito, muito para ver e sempre uma razão para voltar.
Roma tem desde logo a curiosidade de albergar o país mais pequeno do mundo, o Vaticano. Não vou debitar postas sobre aquilo que o Vaticano e os seus tesouros representam para um ateu como eu, mas não resisto a manifestar a minha estupefacção ao ver uns quantos milhares, debaixo de um sol assassino e com as camisolas alagadas, atentos a uma voz que entre patacoadas apela à paz mundial enquanto observam, lá ao longe, uma cabecinha numa varanda. Deve ser aquilo a que chamam fé.
A beleza do sítio é inquestionável. Impressionante.
Convenhamos no entanto que tal grandiosidade era expectável. Se com séculos de gamanço tivessem uma decoração do IKEA é que eu ficaria admirado...
Os Reis europeus enviavam para lá tesouros para ficaram no lado certo do todo poderoso. O comum plebeu, entre a fome que passava, também pagava impostos para que deus gostasse dele. Com a fortuna acumulada, os "representantes da igreja" construíam palácios, compravam obras dos grandes mestres e viviam no deboche. Se não me engano foi o Rei de Inglaterra (Henrique??) o primeiro a meter travão na coisa...
Hoje recebem o rebanho na praça de S. Pedro e vendem t-shirts do papa. O dinheiro continua a entrar a bom ritmo. Tudo por um pedaço no céu.
Falando em céu e arrastando daí para o sol, tentem não cometer o erro clássico de visitar Roma no verão. O calor é insuportável e as pernas querem tudo menos carregar a barriga. A cidade transpira turistas e há filas intermináveis para entrar em todo o lado.
Foi aliás esse o grande contra. Muitos turistas, muita gente a querer tirar a fotografia da moda, muitas vozes fora do sítio. Todas as esplanadas cheias na Piazza Navona, muitos cotovelos na Fonte de Trevi, muitas pernas na escadaria espanhola e sempre, mas sempre, centenas de pessoas em fila para entrar em qualquer lado. Não há muito a fazer. Roma é realmente muito interessante e é por isso natural que desperte curiosidade em milhões de turistas, contudo, será certamente mais genuína e suportável fora da época alta.
O Coliseu está na parte da cidade conhecida como "Roma ancestral", perto de outras ruínas romanas e ligado por uma avenida "vigiada" pelos vários imperadores. Será talvez a parte da cidade mais próxima da glória do passado e aquela que mais me impressionou. Desde logo o conceito que suporta o coliseu. Um sítio onde pessoas iam morrer em nome do entretenimento. Era disso que se tratava. Uma espécie de home cinema mais real. E ainda saudavam César antes de serem transformados em comida de gato grande. E notem que na altura do Império, eram os romanos os civilizados e bárbaros os povos por eles dominados. Ou pelo menos era o que eles achavam. Ironia dos tempos...
Não fiquei com a curiosidade satisfeita e duvide que algum dia fique.
Será mais uma para acrescentar na lista dos "até já".

Dublin, Tuam e Galway















Corria a primavera de 2004 ou 2005, a memória já teve melhores dias, quando aterrei em Dublin pela primeira vez.
Era uma viagem de trabalho e o destino final Tuam, uma pequena "cidade" perto de Galway, no lado oeste da ilha.
O primeiro problema foi sair do aeroporto...com o volante no lado direito passei os primeiros minutos a abrir a porta sempre que tentava meter uma mudança. Isto quando não fazia as rotundas ao contrário...
Os irlandeses passaram a vida a fazer o contrário do que os ingleses queriam...podiam ter optado pela condução do "lado certo" só para chatear, mas não.
Atravessei assim a Irlanda, de Este a Oeste, numa estrada própria para quem não tem pressa. Pelo que percebi não existem auto-estradas, admito que esteja errado...
Para quem passou parte da adolescência numa pequena ilha dos Açores, aquele percurso foi como um regresso à infância. Uma estrada com uma faixa de rodagem para cada lado, delimitada por muros de pedra-sobre-pedra, envolta numa imensidão de pastos verdejantes. Vacas que passavam de um lado para o outro, aldeias com meia-dúzia de casas, o atlântico no fim do verde.
A sério...só faltava o Pauleta a correr atrás de um queijo de batata para estar na Fajã de Cima.
Achei a paisagem lindíssima. A fábrica que fui visitar nessa altura, em Tuam, era um pouco o espelho desta realidade. Lá dentro tecnologia de ponta e componentes electrónicos de alta precisão, cá fora, pasto, pasto e mais pasto.
Não vi nada parecido com um subúrbio (mas também não estive nos arredores de Dublin...) nem fiquei com aquela impressão do cimento devorador.
Foi isso que mais gostei na Irlanda. O mar, o verde, a paisagem. As cidades, honestamente, achei-as aborrecidas e muito pouco interessantes. Passei por Tuam e Galway na primeira vez e, num regresso em 2006 como turista, dei uma volta por Dublin.
Nunca vi um irlandês, imigrante entenda-se, abrir uma lavandaria, papelaria ou loja de antiguidades. Deve existir uma razão histórica para que optem sempre por um pub. Olhando para as cidades deles fica-se com um dica. Porta sim, porta não, lá está o tasco. Bonitos, coloridos, mas bolas...quantos bares são necessários para uma população de pouco mais do que 3 milhões ?
Em Dublin, ainda assim a mais interessante, fiquei com a sensação "maior e com mais bares". Recomenda-se uma visita à fábrica da Guiness (claro...) e à destilaria da Jameson. Os processos de fabrico são bastante interessantes e no caso da Guiness, é parte integrante da cultura irlandesa. Claro como água.
Falta a Dublin uma dimensão verdadeiramente europeia, de metrópole, de algo mais do que a maior concentração de tascos por m2 do mundo. Já discuti este assunto com amigos que por lá passaram e voltaram com uma ideia claramente diferente da minha. Admito que não tenha andado pelos sítios certos.
Voltaria de bom grado para bater perna nos pastos. Apenas isso.
Até novas revelações Dublin ficou na gaveta do " 'tá visto!! ".