segunda-feira, 13 de maio de 2013

Buenos Aires




























Ora...por onde comecar a prosa? Talvez pela preparacão da viagem. Exagero, exagero e mais exagero.
Tudo o que li, os avisos, os esquemas, os roubos, a inseguranca não bateram certo com o que vi. Já me lembrei de procurar os mesmos fóruns de debate e ver quem é que descreveu Buenos Aires como se fosse o faroeste. Se for um Suico, um Alemão, um Norueguês ou um Japonês, ainda compreendo, porque de resto, do sul ao leste da Europa, Africa, Ásia e América...duvido que alguém se sinta inseguro em Buenos Aires, de dia ou de noite (pelo menos na maior parte dos bairros). Para um Português, circular na capital Argentina é como comer uma francesinha em frente ao Ipanema Hotel ou beber uma ginja com a comunidade africana que se reúne à volta do teatro nacional. 
A melhor forma de descrever Buenos Aires é curiosamente a que uma amiga usou: "primeiro estranha-se e depois entranha-se". É isso. Tal e qual.
É uma cidade enorme, caótica e "cansada". Há lixo por todo o lado e prédios, de goela aberta, pedindo socorro em cada esquina. É um reflexo do crescimento rápido da metrópole. Depois de se libertarem dos espanhóis, milhares de argentinos correram para aquela que continuou a ser a sua capital. As poucas (e bonitas) casas coloniais não foram suficientes para albergar a nova enchente e a construcão disparou, sem arte nem engenho. Um pouco o que acontece por todas as grandes cidades da América do Sul. A história repete-se e as imagens também.
Passado o choque inicial comeca a simpatia pelo local. As pessoas, a comida, as esquinas, os cafés, os parques, o requinte, a paixão, os sons, o castelhano que não soa a Madrid. A melhor forma que tenho de descrever Buenos Aires é que, depois do primeiro sono, já me sentia em casa.
E tudo passa a ser normal. Os 3 precos, consoante a pessoa a que pergunto, de um bilhete para o Boca Vs River. Um empregado de balcão a negociar o preco de uma cerveja comigo dentro do restaurante. O acampamento permamente dos veteranos das Malvinas. A carne servida em doses divinais. As "papas" fritas que arroz é para meninos. Os cafés das tertúlias. O senhor que vende chá em San Telmo e dá o toque amigo: "virem a mala para a frente que aqui há muito gamanco". Os brasileiros que enchem cada paragem do autocarro e reclamam quando o mesmo chega. "Meu filho, você não está cumprindo os 20 minutos de intervalo! Assim não!". A Evita espalhada por todo o lado e com uma beatificacão digna de uma cosmética estalinista. A mães de Maio que ainda hoje choram os filhos desaparecidos na "guerra suja".
O momento em que entro na Praca de Maio e vejo uma manifestacão. Penso de imediato em grandes causas políticas e lutas nobres. Mas cheira mal. E não é em sentido figurado. Cheira mesmo mal. A suor, a pouca água, a muita erva. Há muitos Bob Marleys em volta. Está-se bem. Aproximo-me de um e pergunto: "O que reclamam?". "Legalizacão da marijuana. Já é uma luta antiga...vamos ver se é desta!", responde. É isso. Deixem lá a constante flutuacão da moeda e 1/3 do país abaixo do limite da pobreza. Rodem antes isso por todos e curtam um Gardel bem alto.
Outra supresa, o tango. Não é a minha praia confesso e tinha da arte uma ideia algo enfadonha. Valente chapada de luva branca nos Cafe Los Angelitos (San Telmo) com um espectáculo fantástico e diferentes versões de tango (do clássico ao electrónico). Muito, muito bom. Fiquei fã.
Andar de táxi também é uma experiência digna de se viver. O rapaz que pensou em pintar os tracos nas estradas é, por esta altura do campeonato, o argentino mais triste do mundo se ignorarmos o Maradona depois de uma reunião com o fisco em Roma. É indiferente o número de faixas. As largas e compridas avenidas de Buenos Aires levam o número de carros que for possível encaixar, de forma paralela e com distâncias de seguranca entre 3 e 5 cm. E os olhos sempre postos naquele vidro da frente. É certo que cada carro tem mais 5 vidros, mas tal como os piscas, são extras. Aquilo a que na decoracão do lar chamaríamos de "bibelot". Uma senhora quase em idade de reforma explicava o problema da inflacão, da estagnacão dos salários, das intermináveis obras. E enquanto fazia isto o táxi deslizava entre autocarros, paredes, motas e bicicletas. Sim, há doidos que arriscam a vida numa bicicleta. O espaco abria-se. O gajo da esquerda apitava, mas parava. O da direita encolhia-se. O da mota nem tentava. A velhota parecia o profeta no Mar Vermelho. E de 5 cm em 5 cm, lá atravessámos a cidade sem tocar em nada. Devia fazer parte das atracões turisticas, tal como La Boca ou Gardel.  
Foi esquisito voltar para casa. Buenos Aires foi um excelente anfitrião para a minha primeira vez no sul do continente. Se voltarei? Não sei. Tomei 3 "xanaxs" e mesmo assim não adormeci. Devo ser feito de cortica. Gramei as 13h de viagem sempre com a pestana aberta. No fim desta estucha ainda levei com trovoada na aproximacão final e um B747,  que com toda a sua envergadura, parecia um avião de papel nas mãos de uma crianca chateada. Quando o silêncio se instalou depois do capitão gritar, "voltem para os vossos lugares", disse a mim próprio..."já está". 
Mas não, não está. Assim que me esquecer voltarei. Até porque tenho que subir ao Machu Pichu, descer o Chile até à Terra do Fogo e ver o deserto de sal na Bolívia.
O barco de Lisboa para o Rio de Janeiro dura só 7 dias. É um pulinho.


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