quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Belgrado até Timisoara



O plano é muito simples.
Aterrar em Belgrado e conhecer a antiga capital da Jugoslávia. Rezam as crónicas que é feia que dói. Deve ser exagero.
Depois, alugar um carro do tamanho de uma lata de atum, num tasco de esquina que faz a coisa por 30% do preco das multinacionais. Terá motor?
Seguir, com a ajuda de placas escritas em cirílico para a fronteira com a Roménia. Máximas de 40 graus esperadas. Mar só na tv.
Nada de queixumes, de frio estou eu farto.
Entrar em Timisoara, cidade onde comecou a revolucão de 89 a tempo de beber um copo com um camarada a quem, há 10 anos na longínqua Lapónia, ensinei a jogar à moeda.
Recolher a trouxa, voltar na lata de atum para Belgrado e entrar num avião para Copenhaga. Daí num comboio para a minha Gotemburgo natal. Não...estou só a brincar. Era para terminar em beleza.
Tem tudo para correr bem. Parece-me.
Relato no regresso.
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Não sei porque insisto em planear seja o que for. Raramente resulta. Mas enfim, cria a ilusão de organizacão o que já não é mau.
Chegámos a Belgrado e à nossa espera estava uma rapariga muito enfezada e com cara de poucos amigos. Levou-nos ao parque e apresentou a lata alugada.
"Tem o GPS pedido?", pergunta.
"Não, não estava disponivel", resposta.
Apeteceu-me recordar os 15 e-mails trocados com o conceito de "reserva" e todo o seu significado, mas enfim, estava nos Balcãs.
"E mapa de papel, há?". Também não. Segue as placas em cirílico e cala-te. Muito bem.
"Vou ali pagar o parque, vão preparando o dinheiro...aluguer e depósito", diz ela. "Depósito?", pergunto eu. "Sim, 7000 dinares em dinheiro".
Segui a retórica: "Não aceitam cartão?". Não, parece que não. Uma empresa de aluguer de carros que não "trabalha" com cartões. Ó...psst...tu que trabalhas nas financas da Sérvia, estás a ouvir isto camarada?
Ficou desvendada a razão do baixo custo apresentado por esta "empresa". Não há almocos grátis.
Muito bem...e o que faco com com os 7000 dinares que me devolverá no fim do aluguer? Compro almôndegas na Suécia ou perco 20% na conversão?
"Então não quer o carro?". Não. E puff...como uma ninja desapareceu no espaco sideral.
Primeiros 10 minutos de sonho.
Seguimos para a Avis e abracámos o capitalismo.
Belgrado era apenas o ponto de chegada, o objectivo era visitar Timisoara na Roménia. Não tinha qualquer expectativa em relacão à antiga capital da Jugoslávia. Má publicidade imagino eu.
Aconteceu exactamente o contrário. A cidade agradou e muito. Surpreendeu-me.
Não é certamente a mais bela que alguma vez vi. É cinzenta, algo degradada, com um misto de arquitectura "imperial" e blocos dos camaradas. Mas tudo em mau estado. Se fosse em Itália seria "clássico", no leste chama-se "velho".
A principal atraccão da cidade é uma fortificacão (Kalemagdan), situada no cruzamento dos rios Sava e Danúbio. É enorme, bonita e relativamente bem conservada. Aqui e ali há uma parede a cair, mas quem somos nós para falar de castelos arruinados, certo?
Mas foi essencialmente a vida que por ali se respira que me cativou. Apesar do calor insuportável (próximo dos 40 graus), havia movimento. De dia, de noite, de madrugada. Cafés, muitos cafés. Gente que passeia, que ri, que canta, que bebe um copo. Grades de cerveja viradas que se transformam em bancos, sombras improvisadas, um músico em cada esquina. Pessoas simpáticas. Uma cidade vibrante, segura e extremamente barata.
A meio do rio encontrámos uma praia fluvial (Ada Ciganlija) inserida num enorme parque verde com instalacões desportivas para todos os gostos e blocos de cimento que lembravam outros tempos. Não posso dizer que água cor-de-barro seja a minha praia mas com 40 graus e o cérebro colado às paredes do cocoruto, não costumo olhar a nomes.
O tempo passou, passou, passou. Timisoara, o objectivo principal da viagem estava a ser gradualmente trocada por Belgrado.
Saímos no fim do segundo dia a caminho da fronteira com a Romenia. Uns míseros 150 km que demoraram mais de 4h.
Ia jurar que havia aqui uma auto-estrada...não, afinal não.
O controlo na fronteira também era chato como o raio. Romenos que não confiam em sérvios e procuram artigos de contrabando. O mundo está louco...
E claro...detalhe importante, em Timisoara era mais 1h do que em Belgrado. Por acaso também não sabia...
Para a próxima preparo tudo. Claro que sim.
Foi chegar, entornar cervejas com um amigo de outros tempos que já nos esperava há horas, dormir com um olho aberto e voltar para trás.
Fiquei a dever não só uma cerveja como mais tempo à cidade. Foi ali que comecou a revolucão de 89.
Tenho que lá voltar...
"E o que era o COMER???", perguntam vocês.
Carne seca essencialmente. Grelhado disto, frito daquilo. Porco, porco e porco. Aqui e ali uma vaquita. Mas sempre seco. Peixe só em sonhos mais elaborados.
Jantámos na rua mais boémia de Belgrado. Havia farra...barulho, muito barulho. Em cada mesa um conjunto de músicos. Viola, contrabaixo, acordeão. Estávamos num filme do Kusturica. Em loop. Agora...quanto a "comida típica", estamos conversados. Quanto mais vejo, mais constato. Não se enche o bandulho em variedade e qualidade como nessa santa terra que o Passos está a rebentar.
Uma nota final para a JAT Airways, companhia de bandeira da Sérvia: obrigado e até nunca mais.
Prefiro ir a pé ou ser lancado por uma catapulta medieval.
É um facto que não sou grande freguês de companhias de aviacão mas convenhamos, andar num avião que não seja mais velho do que eu não é esquisitice por aí além.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Lisboa até Gotemburgo, a ferrovia
































Aviso: este texto foi escrito num telemovel dentro de um comboio aos solavancos. Nao ha caracteres que cheguem para escrever portugues de Camoes...reclamacoes para o meu agente sff.

Comeco explicando porque razao gosto de comboios: nao tem asas. Tal como eu.
Por isso e porque tinha algum tempo disponivel, resolvi atravessar meia Europa de comboio no fim das ferias. Um regresso a "casa" diferente.
Cheguei, ao fim de tres noites, mas cheguei. O percurso pensado era partir de Lisboa ate Hendaye, no sul de Franca. Dai para Paris, depois Colonia e mais tarde um nocturno que me levaria a Copenhaga. Portanto, ao fim de 3 dias e 2 noites deveria entrar no ultimo comboio que em 4h me transportaria de Copenhaga ate Gotemburgo.
Este era o plano.
Fui a Sta. Apolonia e pedi bilhetes ate Paris. A CP nao vende para la de Bidonville. Pedi cabine com cama e duche. O camarada devolveu o preco e ate me assustei. Ainda assim esbocei um sorriso com a questao: " tem menos de 26 anos?"
Fui dormir sobre o assunto. Pensei, pensei e pensei. Resolvi tudo com a sensatez habitual do "e so uma vez na vida".
Na manha seguinte, decidido entrei na Estacao e disse:"uma cama e um duche para Paris!".
"Esta esgotado", disse ele. O mundo nao foi feito para indecisos. Fui comer uma acorda, que ainda nao tinha engordado o suficiente, e parti no dia seguinte.
O percurso pelo interior norte de Portugal e pelo Pais Basco foi o melhor de toda a viagem. A paisagem de montes e vales e o conforto do comboio marcam a diferenca. O pouco profissionalismo dos funcionarios(CP/Renfe) infelizmente tambem. Depois de um bacalhau a Gomes Sa e de uma boa noite de sono, cheguei a Hendaye de onde seguiria no TGV para Paris. Enquanto esperava pela ligacao tentei comprar bilhete para o percurso Paris-Copenhaga. A senhora dos bilhetes falava frances e frances. Nao consegui perceber metade e, por aqueles precos, queria ter a certeza do que estava a comprar. Pensei "em Paris alguem falara ingles...compro la!".
6 longas horas depois cheguei a Montparnasse. O TGV parou em tudo o que era apeadeiro...
Corri para a enorme fila dos bilhetes. Quando chegou a minha vez ouvi "esgotado". "Tem que ir para Colonia via Bruxelas, seguir amanha de manha para Hamburgo e dai para Copenhaga.", acrescentou o camarada. Em frances. Por acaso tambem nao falava ingles. Quem diria?
Tudo bem. Troquei uma noite no comboio por um hotel. O preco e o mesmo e ainda posso chegar a casa no mesmo dia (a noite). Segui para Colonia depois de mudar de estacao, Montparnasse para Gare du Nord. A ligacao a pe por um subterraneo que me levou ao metro era tao longa que pensei que a Gare du Nord ficasse no Luxemburgo.
Das grandes cidades Alemas, Colonia e Dusseldorf eram os cromos em falta. Honestamente, Berlim a parte, e um pouco mais do mesmo. Uma catedral espectacularmente recuperada dos bombardeamentos, edificios antigos (bonitos) entalados entre horrorosas construcoes do pos-guerra. "jardins de cerveja", casas de strip, meia branca e muito cabelo ainda nos anos 80. Bem sei que maior parte das cidades alemas padecem desse mal comum que foi a reconstrucao, mas convenhamos, na vida ha que fazer opcoes. Invadir a Polonia quando nao se tem arquitectos com talento, foi, como diria Jesus,  mal gizado.
Parti na manha seguinte para Hamburgo com 15 minutos de atraso. Os mesmos 15 que tinha para apanhar a correspondencia dali a 4h. Tinha perguntado em Paris se aquele periodo para a troca de comboio nao seria curto. Todas as estacoes por onde passei eram pequenos mundos. Um mar de gente e interminaveis caminhadas. "Non, non monsieur", disse ele. Tudo bem.
4h depois ja perto de Hamburgo pergunto a uma senhora da DB (deutsche bahn) se recuperamos algum tempo. Parece que sim. Chego a Hamburgo 5 minutos antes do comboio seguinte. "Corra para a linha 8", diz ela. A porta abre e disparo com a mala nas costas. Nao vejo nada para la do 6. Pergunto a um camarada que passava onde fica a 8. "Nao existe", diz ele. Corro para as informacoes e pergunto de onde parte o comboio para Copenhaga. "Linha 1, coooorra!!". Atravesso a estacao e entro novamente no comboio de onde tinha saido. Estou ofegante e encharcado em suor. Percebo entao que nao estou na estacao central de Hamburgo. A senhora que me informou acaba de sair do comboio substituida por outra que se interroga porque razao fui fazer aquele jogging a meio da tarde.
Chego a Hamburgo central com 40 minutos de atraso. Oui, oui monsieur.
Mais uma fila de espera e uma nova discussao com um alemao com cara de Fritz. Perco a ligacao para Copenhaga e a seguinte, para Gotemburgo. Posso usar o mesmo bilhete para a Dinamarca mas devo comprar um novo para a Suecia. "Depois manda uma carta para a DB para tentar reaver o dinheiro", diz ele ajeitando os oculos. "Deves estar a brincar comigo", respondi. Nao comprei nada e apanhei o comboio seguinte para Copenhaga.
Utilizei, até aqui, comboios portugueses, espanhois, franceses, belgas e alemaes. O pior servico prestado é de longe o alemao. Atrasos constantes e comboios a abarrotar com pessoas espalhadas pelo chao. Sou um deles. Sentado em frente a uma casa de banho com vista para a primeira classe.
Mais 5 horas com ferry pelo meio e voila, Escandinavia. Esta do comboio entrar no barco ainda me deixa a pensar.
Copenhaga e a minha cidade favorita no Norte da Europa. Uma especie de City That Never Sleeps em ponto pequeno. Arranjo um novo bilhete para as 5.30h da manha depois de cancelar o que nao usei. Procuro um hotel perto da estacao para passar algumas horas. Sao quase 23h...
Faco a ladainha do " fico apenas 5h, nao me faz um desconto?". Nao funciona em lado nenhum. Tento 7 hoteis. Encontro uma rua com prostitutas africanas em cada esquina e hoteis mais rendidos a arte de ficar pouco tempo. Consigo um quarto barato e uma cama sem lencois. Tudo bem, desde que nao apanhe pulgas, ja estou por tudo.
Acordo e volto a correr. A estacao central a esta hora da manha e um optimo sitio para acabar com o mito dos escandinavos civilizados. Ha bofetada, gritos e policia. Pessoal bebedo, pessoal muito bebedo e pessoal em coma. O gajo ao meu lado faz um esforco monumental para abrir um olho na direccao da televisao e ver a que horas parte o comboio para a cama dele. Esta quase.
Estou a 1h de Gotemburgo. Se gostei da experiencia? Sim. Embora nao seja uma alternativa ao aviao (mais lento e muito mais caro), permite ver mais e ate, porque nao dize-lo, provoca em mim uma certa alegria ao ver que Gotemburgo se aproxima. Deixar Portugal nunca e facil, contudo, depois de 3,5 dias de comboio, chegar a Suecia nao e assim tao mau.
Gostei. Espero agora por dificuldades reais. Um comboio com galinhas nos Andes ou pendurado na janela, algures na India.
30 minutos para o fim da viagem e um pensamento apenas: estara o Diogo na estacao?