segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Havana






























Quando penso nas cidades que visitei e tento eleger a que mais me marcou, acabo sempre por pensar em Havana. Não é a mais bonita cidade que alguma vez vi. Não é organizada, cuidada ou limpa. Em alguns sítios nem agradável é, contudo foi a mais marcante das que, até ao presente dia, vi.
Havana é uma cidade mítica. Independentemente do que vemos e ouvimos hoje, Havana tem um passado feito de momentos que ficaram para a eternidade. Tem corrupcão, tem vícios, tem crime, tem ritmo, tem jogos políticos, tem revolucão, tem cor, tem arte, tem gastronomia, tem salsa, tem o Compay. A história desta ilha é absolutamente fascinante. Seja qual for a ideologia política do visitante é impossível não ceder aos encantos de um sítio que tem o seu lugar bem vincado na história do séc.XX. Desde a independência de Espanha (final do séc. XIX) até à queda da URSS, Cuba fez correr tinta um pouco por todo o lado, sempre com a sua capital no centro de cada acontecimento.
Para mim, reconheco, visitar Cuba era muito mais do que ir para a praia nas Caraíbas. Comecei a ir à festa do Avante quando tinha 14 anos e habituei-me desde muito novo a ouvir as palavras de ordem pela causa cubana entre aquele mar de t-shirts do Che Guevara.
As opiniões dividem-se. Há quem escreva sobre Che Guevara ou Fidel Castro como loucos e assassinos, há quem os eleve a heróis. Não os vejo como "talhantes" mas há certamente gente mais lúcida neste mundo. Continuo a achar que a revolucão de Cuba foi um daqueles momentos que a história nunca apagará. Um bando de barbudos, perdidos e esfomeados no meio da serra que, com crescente apoio das populacões, conseguiram varrer a ilha desde Santiago até à entrada triunfante de Che em Santa Clara (a partir daqui sabia-se que Havana iria cair). Poderemos sempre discutir quais as verdadeiras razões de Fidel para liderar o golpe. De facto podemos. O que não podemos contudo é divagar sobre a Cuba que existia antes de 1959. Um país de analfabetos, uma colónia usada pelos EUA para prostituicão e lavagem de dinheiro. Empresas americanas que controlavam toda a producão e que alimentavam uma classe política corrupta e fantoche, de onde se destacava o sombrio Baptista.
Enquanto isso, os cubanos trabalhavam como escravos e eram pouco mais do que prisioneiros no próprio país. Entre a fome e a miséria. O cenário não era muito difernete daquilo que os europeus faziam nas suas colónias africanas.
Só pelo facto de terminar com isto, a revolucão tem que ser vista como algo bom. Ou pelo menos como um momento que pdoeria abrir novas portas.
E é aqui que as opiniões de dividem.
Depois de ler biografias autorizadas e não-autorizadas vejo-me forcado a concluir que Fidel seguiu o caminho possível e passou os 40 anos seguintes a viver as consequências dessa escolha.
É bom lembrar que a queda de Batista aconteceu em plena Guerra Fria. O primeiro sítio onde Fidel tentou ver reconhecido o novo estado cubano foi exactamente em Washington, na sua primeira visita. O presidente dessa altura (Eisenhower se não me engano) nem deixou a conversa chegar à sobremesa. Ora...em 1959, se não estavas de um lado, estavas do outro. Cuba precisava de apoio externo. Não o conseguiu em Washington foi procurá-lo em Moscovo.
A partir daí, a história é conhecida. O dinheiro vinha de Moscovo e as regras também. As décadas que se seguiram trouxeram educacão mas não trouxeram liberdade. Foi uma oportunidade perdida.
Ainda assim, quando aterrei em Havana levava na mala alguns mitos mal esclarecidos e também uma secreta esperanca de ver a realidade contrariar algumas teorias.
Mas não. Isso não aconteceu.
Visitei Cuba em 2005. Nessa altura Havana estava dividida em 3 áreas: Havana Velha, Havana Central e Vedado. Não faco ideia se ainda é assim hoje em dia.
Havana Velha é a parte turistica da cidade. Totalmente recuperada, no seu lindíssimo estilo colonionalista espanhol, colorida, limpa, com um polícia em cada esquina e muitos turistas. Nesta parte da cidade ninguém incomoda. É bonita mas não é real. Qualquer abordagem ao turista é feita de forma muito discreta, de forma a que a polícia não veja (tipicamente para vender uma moeda com a cara do Che). O regime sabe que o turista é, desde a queda da URSS, a principal fonte de rendimento e como tal, nada de chatear!
A zona do Vedado (o nome vem do facto de cubanos não terem acesso a essa zona), já não apresenta o mesmo tipo de conservacão mas ainda tem um aspecto decente. As cadeias de hotéis espalharam-se por esta zona. E depois há Havana Central, a parte real da cidade. Casas sem porta ou janela, ventoínhas improvisadas a partir de máquinas de fazer bolos, cabos de electricidade puxados sabe-se lá de onde, criancas na rua a brincar, lixo a céu aberto, um cheiro insuportável com o calor dos trópicos. Nem um turista na rua. Não há inseguranca, eu pelo menos não a senti, mas todos te abordam para tentar qualquer coisa. Levar a casa de um amigo que por acaso trabalha numa fábrica de charutos, oferecer um guia turistico que não quer dinheiro e só está "interessado em saber notícias do mundo exterior" e por aí fora. aliás, a esse propósito há, na minha opinião, uma diferenca enorme entre as geracão mais nova e aquela que nasceu antes da revolucão. Vi miudos (que toda a vida se habituaram a receber ofertas dos turistas) na rua a correr por uma t-shirt ou caneta que, mal recebem o item, olham para ele com uma cara de desprezo enorme. Em alguns casos não é a necessidade que os faz pedir, mas sim o hábito. Já os mais velhos apresentam outra fibra. Nunca me esquecerei da imagem de um senhor que, do alto dos seus 91 anos e na lentidão do passo, vendia amendoins torrados para ganhar a vida. Lembro-me de ver o desconforto nos seus olhos quando não aceitei o troco, umas migalhas em pesos cubanos. A geracão mais nova por seu lado tentou enrolar-me com charutos, visitas, marisco e eu sei lá mais o quê.
Havana foi uma cidade que me emocionou. Conheci um pintor (engenheiro físico de formacão) que me explicou a vida na ilha. A comida, os empregos, a liberdade, as forcas militares. Os cubanos são geralmente magros. Os policias, ou pelo menos muitos deles, apresentavam uma barriguita. Qualquer regime que quer controlar a sua populacão sabe sempre quem é que tem que alimentar primeiro, os que têm acesso às armas. Lembro-me ver este pintor, de quem fiquei amigo, pegar em duas canetas, colocá-las na palma mão simulando uma balanca, enquanto dizia: "é mais ou menos este peso de carne que temos para o mês na nossa racão". Depois de algumas conversas, lembro-me de circular pela praca do museu da revolucão até me sentar num banco olhando em redor. De repente comecei a sentir lágrimas no rosto. Era como se uma ideia de justica social, que eu ainda acreditava ser possível, estivesse a desabar perante os factos. Fiquei com pena daquela gente. E isto é indiferente de qualquer conviccão política. É apenas o realizar que os problemas que se vivem na nossa parte do mundo, nem sempre são tão dramáticos quanto isso. Como tudo na vida, o referencial conta.
O museu da revolucão é algo digno de ser visto. Por várias razões. Todo o seu conteúdo é uma imensa promocão ao regime, como aliás não poderia deixar de ser. Gráficos com a escolaridade antes e depois da revolucão, a roupa que o Fidel usou em tribunal durante o famoso discurso "a história me absolverá". Basta dizer que na entrada do museu está o tanque em que Fidel combateu na invasão da Baía dos Porcos. Um pouco mais atrás está o Granma, o barco que trouxe Fidel do México para Cuba, com Che Guevara e os planos para a revolucão a bordo.
Outro dos dados estatísticos orgulhosamente apresentado é o do desemprego. Raspava a bonita percentagem de zero (na altura, agora já perceberam que não podem ser todos funcionários públicos). Nem era preciso um esforco muito grande para perceber como é que conseguiam aqueles números. Bastava olhar para aquele museu. Estava quase vazio e em cada sala estavam 2 ou 3 empregados, sentados, encostados a uma parede, sem nada, absolutamente nada para fazer.
Um dos problemas graves de Cuba é o sistema financeiro em que vive. Ou melhor...os sistemas financeiros. Há o peso cubano, que vale entre zero e nada, e o euro/dólar. O cerne da questão é simples de compreender. Quem recebe em pesos cubanos está desgracado. Era por isso normal ver um médico, que ganharia 4 dólares por mês num hospital público, a carregar malas em hotéis.
Chegar à moeda estrangeira é conseguir entrar num supermercado normal e não ficar limitado às lojas de conveniência do Estado.
Nos quiosques onde os cubanos comem, uma refeicão (completa com um copo de sumo) custa 1 euro. Para um europeu é de graca. Para quem só tem pesos cubanos nem tanto.
Nunca vi turistas perto destes quiosques mas a "roupa velha" na caixa de cartão não era nada má.
O embargo que Cuba vive há 4 décadas obrigou a um espírito inventivo que não se pode deixar de admirar. Cuba produz os seus próprios medicamentos. Enquanto Chávez usa barris de petróleo como moeda de troca, Fidel usa equipas de médicos. Electrodomésticos, pecas de carros, brinquedos. Tudo se transforma em qualquer coisa mais.
Uma das grandes diferencas entre Cuba e outros países pobres é exactamente o nível de educacão da populacão. A história ensina que o desenvolvimento de dois países pobres será diferenciado e mais rápido em favor daquele que tiver uma populacão com melhores qualificacões. Veja-se Portugal vs qualquer país de leste.
Em Cuba vai-se abrir uma nova janela de oportunidade. Oxalá seja aproveitada desta vez.
Outras das coisas que me fascinou foi a comida. Aquele mistura de carne, feijão, arroz, fruta, peixe, marisco. África com o Caribe. Delicioso.
Cuba foi também a minha primeira tentativa de ver uma praia de postal. Desloquei-me a Trinidad, uma cidade património da Unesco, muito bonita e cuidada, que conserva ainda o estilo deixado pelos espanhóis e banhada pelo mar do Caribe. O tempo não colaborou e o mar que vi não aparece em nenhum postal. Talvez Maio não tenha sido uma boa escolha...
Tive ainda tempo para uma rápida passagem por Pinal del Rio, para visitar uma fábrica de "puros" e por Vinales, onde teoricamente estão umas gravuras pré-históricas. Para mim, o mais interessante neste salto a Pinar del Rio foi a componente social da coisa. Enquanto a guia turistica desbobinava a fita do regime com pérolas do género "o cubano é forte e no fim do dia tem sempre alegria e comida na mesa", as funcionárias da fábrica, discretamente entre cada folha de tabaco enrolada, mostravam a moeda do Che Guevara na esperanca de que algum turista a trocasse por dólares. Mas sempre de forma alegre....
Havana tem pontos de interesse clássicos. Tão clássicos que ultrapassam os 1000km da ilha.
O mítico malécon, a bodeguita del médio onde Hemingway ganhava inspiracão, o capitólio que "não é igual ao americano porque tem mais uma fila de tijolos para ser mais alto", o Hotel Nacional onde Al Capone passava férias e Compay Segundo tocava.
Do ponto de vista turístico Cuba é um pequeno paraíso. Está tudo ali. O mar, a história, os ritmos.
O ritmo. Faz parte. Acordam a dancar e adormecem a cantar. Sempre gostei dos ritmos cubanos. Quando vim para a Suécia comecei a ter aulas de salsa, influenciado entre outras coisas, por esta viagem. Está na altura de voltar e ver se não tropeco nos pés.



Ps - As fotografias que ilustram o texto pertencem ao meu amigo Nuno Simões que gentilmente as cedeu para este efeito. As minhas, em versão papel, estão algures numa caixa desse lado.


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O Ártico

Em 2007, juntamente com um grupo de amigos, fiz uma das viagens da minha vida: o Kungsleden.
O Kungsleden é um trilho com início no circulo polar Ártico, em território sueco, que nos conduz até à montanha mais alta do país durante 100km de puro contacto com a natureza. A aventura começou em Gotemburgo num comboio que em 24h nos transportou para Abisko, a porta de entrada do Kungsleden. Seguiram-se 6 dias de caminhada, a mais dura que alguma vez fiz na minha vida e depois, o ataque ao cume. No fim do trilho, e com as pernas em papa, seguimos para a costa norueguesa onde recuperámos do esforço junto à inesquecível paisagem dos fjords.
Na altura escrevi sobre esta viagem no Albarcuel. Tal como fiz com o relato da Tanzânia, vou usar a mesma crónica e ser fiel às emoções.

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Antes - 28 de Junho de 2007


"Esta noite comeca uma nova aventura.
Longe de todo e qualquer barulho ou confusão. Quatro camaradas aterram em Gotemburgo, para se juntarem a mim e à Sofia numa passeata nos confins do mundo. Dentro do circulo polar ártico vamos fazer parte do
Kungsleden, o trilho mais famoso na Suécia, com o objectivo de chegar ao topo do Kebnekaise, a montanha mais alta cá do burgo (o que não quer dizer que seja muito alta...). Dizem os locais que uma vez no topo, num dia limpo, avista-se 1/8 do território nacional. Nota para mim: levar os óculos.
No cardápio da montanha nada faltará. O mundo do "é só juntar água" passou a ter um novo sentido para mim. Nem o velho e fiel Nestum faltará.
Espera-nos um total de 110 Km durante 6 dias de pura natureza. A mente vai sair de lá limpa. Sei que vai.
No fim da nossa caminhada, se "sobrevivermos" aos mosquitos que devoram os Samis (povos originários da Lapónia sueca) todos os anos, seguiremos para Flåm, uma pequena vila na costa oeste Norueguesa (na foto), onde estão os maiores fjords do mundo. Explorá-los de kayak é o objectivo. Montanha, verde. Água, azul. Coisas simples é tudo o que o corpo pede e o cérebro agradece. Já estou totalmente fora deste escritório. E acho que ninguém me leva a mal.
A teoria está estudada mas tudo é desconhecido. E essa é a parte boa. A descoberta. Olho pela janela e vejo chuva. Vim trabalhar de casaco. Está frio. Não me poderia incomodar menos. O desejo de férias é tal que até podem cair pinguins do céu. Vistas daqui, as 24h de comboio que nos esperam até ao Ártico são um autêntico Spa. Nada me tira a boa disposicão neste momento. Rigorosamente nada.
Há mosquitos com fartura no norte ? Eles que venham..."até os comiémos carago!!"

Para quem aqui chegou, fica o desejo de umas excelentes férias e de um bom descanso. Eu e o Albarcuel voltamos na segunda metade de Julho. Até lá."




















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Depois - 16 de Julho de 2007

"O regresso à realidade coloca-me problemas que entretanto já tinham fugido do cartaz. Roupa passada. Horários. Barba feita. Supermercado. Ahnn??
Nos últimos 15 dias tive apenas uma preocupacão (várias vezes por dia): "Como passar este rio sem molhar os pés?". O que normalmente era resolvido com aquela técnica muito científica do "que se lixe".

As férias resolveram acabar. Uma pena. Estávamos a criar uma saudável e proveitosa cumplicidade quando elas me abandonaram. Tal como Paulinho "Uhhh-acho-que-fiz-asneira-ao-colocar-a-minha-lideranca-em-questão" Portas, também eu necessito deste dia para reflectir.
Corro algumas das fotografias tiradas pelo grupo. Ponho-me a pensar e sinto que uma aventura foi concluída com êxito. Durante uma semana caminhámos entre vales e montes em pleno Ártico num total de 120 Km.
Não pensámos que a escolha da época baixa fosse um problema. O Kungsleden era para todos nós um trilho turístico. Da minha parte imaginava-o quase de passadeira vermelha...
a realidade foi bem diferente.
A época baixa para caminhadas acontece logo após o término da época de Ski (que acaba em Junho). Isto significa que o gelo das montanhas está a derreter criando vários riachos e vales perfeitamente alagados. Aquilo que todos pensavam ser um rota fácil passou a ser uma aventura diária. Para ser sincero, nessa vertente, a satisfacão de ter chegado ao fim ainda é maior.

Depois do primeiro dia (o único feito com os pés secos) de caminhada, entrámos em zonas de trilhos rochosos onde cada passo tinha que ser pensado para evitar pés ou tornozelos partidos. Escusado será dizer que ninguém tinha botas...não fomos de chinelinho, mas os calcões não faltaram.
Seguiram-se zonas de neve até ao joelho onde percebemos pela primeira vez que os pés secos seriam uma ilusão.
Ao fim de 4 dias e 86Km chegámos ao refúgio base do Kebnekaise, a montanha cujo topo queríamos atingir. Entre mazelas físicas, picadelas de melga e muito cansaco, resolvemos ficar todo o quinto dia de molho. Cartas, sauna e sono. Pouco mais.
No dia seguinte, com novo ânimo e pernas um pouco mais frescas, tentámos a subida ao pico da Suécia.
9Km num desnível de 1600m e 10 a 15h de caminho.
Foi a parte mais perigosa do percurso. Neve, alguns penhascos e muito vento. O topo foi atingido e a satisfacão gozada apenas 7 horas depois. Já debaixo de um duche quente. Ás paisagens que admirámos ao longo de todo o percurso juntámos a vista do topo da Suécia. Silêncio e imensidão. Imagens que guardarei. O regresso à civilizacão foi feito na manhã seguinte. De helicóptero. As mochilas estavam mais leves mas já ninguém as queria carregar.
Ver o último trilho bem alagadinho também foi um belo momento. "Percorre-lo" com os pés a 200m de altura, parecendo que não, cansa menos. E não molha.

Nunca passei por uma experiência destas. As pernas saíram cansadas mas a alma chegou limpa. Inesquecível.Na segunda semana resolvemos descer a costa da Noruega (de carro). Mais de 1800 Km de fjords numa paisagem única e vibrante a cada curva. A Noruega é um país lindíssimo e a "Auto-estrada do Ártico" o percurso mais bonito que alguma vez fiz.
"Auto-estrada" é o nome que vem nos guias, mas é mesmo só o nome.
Não existem auto-estradas na Noruega (e parece que TGV's também não...malta pooobre....). A "auto-estrada do Ártico" é uma nacional cheia de curvas que contorna os imensos fiordes que recortam a Noruega. 1800 Km numa só faixa que passaram a correr.

Escolhemos um fiorde e por lá ficámos em paz. A vista do Atlântico acordou-nos todos os dias. Rena e bacalhau (ou "bacalao" como escrevem os locais) em vez de febra e sardinha. Nada mau. Nada mau mesmo.
Que dias.
E que bom foi receber esta malta por cá. Custou-me tanto ver-vos entrar no terminal de embarque de novo. Mas fica a recordacão. Uma boa recordacão. Com imagens. Muitas.
Terminada esta comeco já a pensar na próxima. Não durante muito tempo. Apenas hoje.
É a única forma que conheco de aguentar esta segunda-feira.
Bom dia.
"

Roma










Roma é caótica, suja e quente.
As pessoas gritam, os condutores não sabem para que servem aquelas listas brancas pintadas no chão e as fachadas imploram uma pincelada de tinta.
Escusado será dizer que adorei. Quase que me senti em casa.
Há por ali pontos que cruzam a Lusitana confusão ou não vivêssemos todos debaixo do mesmo sol.
Roma é uma autêntica cidade museu. Antiga capital do vasto e riquíssimo império romano, é hoje um ponto de passagem obrigatório para quem gosta de História.
Das grandes capitais europeias (Londres, Paris, Roma, Berlim e Madrid) é de longe a mais mal tratada. Se César (qualquer um deles excepto o Nero) visse o estado de conservação de Roma, ainda davas umas valentes voltas na cova.
Detalhes imagino eu...provavelmente se Roma fosse uma cidade austríaca estaria coberta de verdejantes parques e cristalinos passeios, mas, tal como a fibra óptica, não seria a mesma coisa.
Assim, atenção com a malta das vespas e forca nessas solas. Há muito, muito para ver e sempre uma razão para voltar.
Roma tem desde logo a curiosidade de albergar o país mais pequeno do mundo, o Vaticano. Não vou debitar postas sobre aquilo que o Vaticano e os seus tesouros representam para um ateu como eu, mas não resisto a manifestar a minha estupefacção ao ver uns quantos milhares, debaixo de um sol assassino e com as camisolas alagadas, atentos a uma voz que entre patacoadas apela à paz mundial enquanto observam, lá ao longe, uma cabecinha numa varanda. Deve ser aquilo a que chamam fé.
A beleza do sítio é inquestionável. Impressionante.
Convenhamos no entanto que tal grandiosidade era expectável. Se com séculos de gamanço tivessem uma decoração do IKEA é que eu ficaria admirado...
Os Reis europeus enviavam para lá tesouros para ficaram no lado certo do todo poderoso. O comum plebeu, entre a fome que passava, também pagava impostos para que deus gostasse dele. Com a fortuna acumulada, os "representantes da igreja" construíam palácios, compravam obras dos grandes mestres e viviam no deboche. Se não me engano foi o Rei de Inglaterra (Henrique??) o primeiro a meter travão na coisa...
Hoje recebem o rebanho na praça de S. Pedro e vendem t-shirts do papa. O dinheiro continua a entrar a bom ritmo. Tudo por um pedaço no céu.
Falando em céu e arrastando daí para o sol, tentem não cometer o erro clássico de visitar Roma no verão. O calor é insuportável e as pernas querem tudo menos carregar a barriga. A cidade transpira turistas e há filas intermináveis para entrar em todo o lado.
Foi aliás esse o grande contra. Muitos turistas, muita gente a querer tirar a fotografia da moda, muitas vozes fora do sítio. Todas as esplanadas cheias na Piazza Navona, muitos cotovelos na Fonte de Trevi, muitas pernas na escadaria espanhola e sempre, mas sempre, centenas de pessoas em fila para entrar em qualquer lado. Não há muito a fazer. Roma é realmente muito interessante e é por isso natural que desperte curiosidade em milhões de turistas, contudo, será certamente mais genuína e suportável fora da época alta.
O Coliseu está na parte da cidade conhecida como "Roma ancestral", perto de outras ruínas romanas e ligado por uma avenida "vigiada" pelos vários imperadores. Será talvez a parte da cidade mais próxima da glória do passado e aquela que mais me impressionou. Desde logo o conceito que suporta o coliseu. Um sítio onde pessoas iam morrer em nome do entretenimento. Era disso que se tratava. Uma espécie de home cinema mais real. E ainda saudavam César antes de serem transformados em comida de gato grande. E notem que na altura do Império, eram os romanos os civilizados e bárbaros os povos por eles dominados. Ou pelo menos era o que eles achavam. Ironia dos tempos...
Não fiquei com a curiosidade satisfeita e duvide que algum dia fique.
Será mais uma para acrescentar na lista dos "até já".

Dublin, Tuam e Galway















Corria a primavera de 2004 ou 2005, a memória já teve melhores dias, quando aterrei em Dublin pela primeira vez.
Era uma viagem de trabalho e o destino final Tuam, uma pequena "cidade" perto de Galway, no lado oeste da ilha.
O primeiro problema foi sair do aeroporto...com o volante no lado direito passei os primeiros minutos a abrir a porta sempre que tentava meter uma mudança. Isto quando não fazia as rotundas ao contrário...
Os irlandeses passaram a vida a fazer o contrário do que os ingleses queriam...podiam ter optado pela condução do "lado certo" só para chatear, mas não.
Atravessei assim a Irlanda, de Este a Oeste, numa estrada própria para quem não tem pressa. Pelo que percebi não existem auto-estradas, admito que esteja errado...
Para quem passou parte da adolescência numa pequena ilha dos Açores, aquele percurso foi como um regresso à infância. Uma estrada com uma faixa de rodagem para cada lado, delimitada por muros de pedra-sobre-pedra, envolta numa imensidão de pastos verdejantes. Vacas que passavam de um lado para o outro, aldeias com meia-dúzia de casas, o atlântico no fim do verde.
A sério...só faltava o Pauleta a correr atrás de um queijo de batata para estar na Fajã de Cima.
Achei a paisagem lindíssima. A fábrica que fui visitar nessa altura, em Tuam, era um pouco o espelho desta realidade. Lá dentro tecnologia de ponta e componentes electrónicos de alta precisão, cá fora, pasto, pasto e mais pasto.
Não vi nada parecido com um subúrbio (mas também não estive nos arredores de Dublin...) nem fiquei com aquela impressão do cimento devorador.
Foi isso que mais gostei na Irlanda. O mar, o verde, a paisagem. As cidades, honestamente, achei-as aborrecidas e muito pouco interessantes. Passei por Tuam e Galway na primeira vez e, num regresso em 2006 como turista, dei uma volta por Dublin.
Nunca vi um irlandês, imigrante entenda-se, abrir uma lavandaria, papelaria ou loja de antiguidades. Deve existir uma razão histórica para que optem sempre por um pub. Olhando para as cidades deles fica-se com um dica. Porta sim, porta não, lá está o tasco. Bonitos, coloridos, mas bolas...quantos bares são necessários para uma população de pouco mais do que 3 milhões ?
Em Dublin, ainda assim a mais interessante, fiquei com a sensação "maior e com mais bares". Recomenda-se uma visita à fábrica da Guiness (claro...) e à destilaria da Jameson. Os processos de fabrico são bastante interessantes e no caso da Guiness, é parte integrante da cultura irlandesa. Claro como água.
Falta a Dublin uma dimensão verdadeiramente europeia, de metrópole, de algo mais do que a maior concentração de tascos por m2 do mundo. Já discuti este assunto com amigos que por lá passaram e voltaram com uma ideia claramente diferente da minha. Admito que não tenha andado pelos sítios certos.
Voltaria de bom grado para bater perna nos pastos. Apenas isso.
Até novas revelações Dublin ficou na gaveta do " 'tá visto!! ".

terça-feira, 6 de julho de 2010

Berlim













Se a memória não me falha Berlim foi a 10ª cidade que visitei na Alemanha.
É de longe, para mim, a mais interessante de todas elas. Por várias razões.
A primeira e mais importante, é porque Berlim podia ser uma cidade de qualquer país. É cosmopolita, multi-cultural e ponto marcante da história dos nossos tempos.
Digo-o sem complexos...não sou um fã da Alemanha nem dos alemães. Há gente muito ou pouco simpática um pouco por todo o lado, mas, ao fim de 11 anos a passar por este país, honestamente, a minha impressão não é a melhor.
Berlim é um caso à parte. Desde logo é uma daquelas cidades "aqui aconteceu algo importante" e eu adoro esse tipo de cidades. Pode ser uma idiotice mas sinto que estou a pisar o palco da história quando atravesso a praça onde as SS queimaram montanhas de livros.
Imagino as tentativas de fuga quando me aproximo do muro, as permanentes vigilâncias da Stasi quando olho para a torre das comunicações ou o massacre que os Aliados ali fizeram quando aprecio a arquitectura da cidade. São gostos...
Há muito para ver e ouvir. Há muito para viver.
Eu detesto repetir destinos mas Berlim entrou para a mesma gaveta onde coloco Paris, Londres ou Roma. É paragem para uma vida e em cada regresso há sempre algo novo para ver.
Berlim, é uma cidade bem recuperada. Os Aliados não a deixaram em bom estado e na parte Oriental, os russos terminaram com o serviço, rebentando muitos dos edifícios "clássicos". Aliás...esta fixação dos russos por destruir símbolos do passado dava uma tese. Em São Petersburgo rebentaram não sei quantos monumentos e igrejas para que o povo "esquecesse" a época dos Czars. Em Berlim, como em várias cidades ocupadas, desapareceram edifícios lindíssimos que faziam lembrar outros tempos e em seu lugar apareceram blocos de cimento. Tristes, feios e eternos.
Mas, dizia eu, a recuperação foi bem feita e a mistura entre o antigo e moderno não choca. Tive oportunidade de visitar um dos bunkers da cidade (há mais bunkers que latas de salsicha) e perceber o seu funcionamento. Regras, comida, espaço. Um pequeno pesadelo. Um detalhe interessante...por alojar muita gente até um período de 15 dias, num espaço reduzido e alimentação de pão e água, os bunkers eram locais propícios a pequenas manifestações de loucura e conflito. Por isso, as casas de banho não tinham portas ou espelhos, para evitar suicídios ou materiais de ataque.
Há um sem número de histórias interessantes que aconteceram em Berlim. O famoso discurso de J.F.K., a construção do muro, as viagens de avião entre os dois lados para levar comida, a imensidão de funcionários da Stasi, os pedidos a Gorbachov para que este acabasse com o muro...eu sei lá. Muitas estão explicadas no excelente museu do comunismo.
É um destino, para quem tiver essa possibilidade, a não perder.
Percorrer aquelas ruas, com excelentes cafés diga-se de passagem, é percorrer um pedaço da história.
Fiquei fã de Berlim.