segunda-feira, 6 de agosto de 2012
Lisboa até Gotemburgo, a ferrovia
Aviso: este texto foi escrito num telemovel dentro de um comboio aos solavancos. Nao ha caracteres que cheguem para escrever portugues de Camoes...reclamacoes para o meu agente sff.
Comeco explicando porque razao gosto de comboios: nao tem asas. Tal como eu.
Por isso e porque tinha algum tempo disponivel, resolvi atravessar meia Europa de comboio no fim das ferias. Um regresso a "casa" diferente.
Cheguei, ao fim de tres noites, mas cheguei. O percurso pensado era partir de Lisboa ate Hendaye, no sul de Franca. Dai para Paris, depois Colonia e mais tarde um nocturno que me levaria a Copenhaga. Portanto, ao fim de 3 dias e 2 noites deveria entrar no ultimo comboio que em 4h me transportaria de Copenhaga ate Gotemburgo.
Este era o plano.
Fui a Sta. Apolonia e pedi bilhetes ate Paris. A CP nao vende para la de Bidonville. Pedi cabine com cama e duche. O camarada devolveu o preco e ate me assustei. Ainda assim esbocei um sorriso com a questao: " tem menos de 26 anos?"
Fui dormir sobre o assunto. Pensei, pensei e pensei. Resolvi tudo com a sensatez habitual do "e so uma vez na vida".
Na manha seguinte, decidido entrei na Estacao e disse:"uma cama e um duche para Paris!".
"Esta esgotado", disse ele. O mundo nao foi feito para indecisos. Fui comer uma acorda, que ainda nao tinha engordado o suficiente, e parti no dia seguinte.
O percurso pelo interior norte de Portugal e pelo Pais Basco foi o melhor de toda a viagem. A paisagem de montes e vales e o conforto do comboio marcam a diferenca. O pouco profissionalismo dos funcionarios(CP/Renfe) infelizmente tambem. Depois de um bacalhau a Gomes Sa e de uma boa noite de sono, cheguei a Hendaye de onde seguiria no TGV para Paris. Enquanto esperava pela ligacao tentei comprar bilhete para o percurso Paris-Copenhaga. A senhora dos bilhetes falava frances e frances. Nao consegui perceber metade e, por aqueles precos, queria ter a certeza do que estava a comprar. Pensei "em Paris alguem falara ingles...compro la!".
6 longas horas depois cheguei a Montparnasse. O TGV parou em tudo o que era apeadeiro...
Corri para a enorme fila dos bilhetes. Quando chegou a minha vez ouvi "esgotado". "Tem que ir para Colonia via Bruxelas, seguir amanha de manha para Hamburgo e dai para Copenhaga.", acrescentou o camarada. Em frances. Por acaso tambem nao falava ingles. Quem diria?
Tudo bem. Troquei uma noite no comboio por um hotel. O preco e o mesmo e ainda posso chegar a casa no mesmo dia (a noite). Segui para Colonia depois de mudar de estacao, Montparnasse para Gare du Nord. A ligacao a pe por um subterraneo que me levou ao metro era tao longa que pensei que a Gare du Nord ficasse no Luxemburgo.
Das grandes cidades Alemas, Colonia e Dusseldorf eram os cromos em falta. Honestamente, Berlim a parte, e um pouco mais do mesmo. Uma catedral espectacularmente recuperada dos bombardeamentos, edificios antigos (bonitos) entalados entre horrorosas construcoes do pos-guerra. "jardins de cerveja", casas de strip, meia branca e muito cabelo ainda nos anos 80. Bem sei que maior parte das cidades alemas padecem desse mal comum que foi a reconstrucao, mas convenhamos, na vida ha que fazer opcoes. Invadir a Polonia quando nao se tem arquitectos com talento, foi, como diria Jesus, mal gizado.
Parti na manha seguinte para Hamburgo com 15 minutos de atraso. Os mesmos 15 que tinha para apanhar a correspondencia dali a 4h. Tinha perguntado em Paris se aquele periodo para a troca de comboio nao seria curto. Todas as estacoes por onde passei eram pequenos mundos. Um mar de gente e interminaveis caminhadas. "Non, non monsieur", disse ele. Tudo bem.
4h depois ja perto de Hamburgo pergunto a uma senhora da DB (deutsche bahn) se recuperamos algum tempo. Parece que sim. Chego a Hamburgo 5 minutos antes do comboio seguinte. "Corra para a linha 8", diz ela. A porta abre e disparo com a mala nas costas. Nao vejo nada para la do 6. Pergunto a um camarada que passava onde fica a 8. "Nao existe", diz ele. Corro para as informacoes e pergunto de onde parte o comboio para Copenhaga. "Linha 1, coooorra!!". Atravesso a estacao e entro novamente no comboio de onde tinha saido. Estou ofegante e encharcado em suor. Percebo entao que nao estou na estacao central de Hamburgo. A senhora que me informou acaba de sair do comboio substituida por outra que se interroga porque razao fui fazer aquele jogging a meio da tarde.
Chego a Hamburgo central com 40 minutos de atraso. Oui, oui monsieur.
Mais uma fila de espera e uma nova discussao com um alemao com cara de Fritz. Perco a ligacao para Copenhaga e a seguinte, para Gotemburgo. Posso usar o mesmo bilhete para a Dinamarca mas devo comprar um novo para a Suecia. "Depois manda uma carta para a DB para tentar reaver o dinheiro", diz ele ajeitando os oculos. "Deves estar a brincar comigo", respondi. Nao comprei nada e apanhei o comboio seguinte para Copenhaga.
Utilizei, até aqui, comboios portugueses, espanhois, franceses, belgas e alemaes. O pior servico prestado é de longe o alemao. Atrasos constantes e comboios a abarrotar com pessoas espalhadas pelo chao. Sou um deles. Sentado em frente a uma casa de banho com vista para a primeira classe.
Mais 5 horas com ferry pelo meio e voila, Escandinavia. Esta do comboio entrar no barco ainda me deixa a pensar.
Copenhaga e a minha cidade favorita no Norte da Europa. Uma especie de City That Never Sleeps em ponto pequeno. Arranjo um novo bilhete para as 5.30h da manha depois de cancelar o que nao usei. Procuro um hotel perto da estacao para passar algumas horas. Sao quase 23h...
Faco a ladainha do " fico apenas 5h, nao me faz um desconto?". Nao funciona em lado nenhum. Tento 7 hoteis. Encontro uma rua com prostitutas africanas em cada esquina e hoteis mais rendidos a arte de ficar pouco tempo. Consigo um quarto barato e uma cama sem lencois. Tudo bem, desde que nao apanhe pulgas, ja estou por tudo.
Acordo e volto a correr. A estacao central a esta hora da manha e um optimo sitio para acabar com o mito dos escandinavos civilizados. Ha bofetada, gritos e policia. Pessoal bebedo, pessoal muito bebedo e pessoal em coma. O gajo ao meu lado faz um esforco monumental para abrir um olho na direccao da televisao e ver a que horas parte o comboio para a cama dele. Esta quase.
Estou a 1h de Gotemburgo. Se gostei da experiencia? Sim. Embora nao seja uma alternativa ao aviao (mais lento e muito mais caro), permite ver mais e ate, porque nao dize-lo, provoca em mim uma certa alegria ao ver que Gotemburgo se aproxima. Deixar Portugal nunca e facil, contudo, depois de 3,5 dias de comboio, chegar a Suecia nao e assim tao mau.
Gostei. Espero agora por dificuldades reais. Um comboio com galinhas nos Andes ou pendurado na janela, algures na India.
30 minutos para o fim da viagem e um pensamento apenas: estara o Diogo na estacao?
segunda-feira, 30 de abril de 2012
Pequim
Acabo de chegar de Pequim.
Vá lá...não é bem "acabo".
"Regressei aqui há atrasado de" é que seria a frase inicial correcta. Perde-se em impacto mas ganha-se em rigor.
Por outro lado...quem é que quer ler relatos precisos, detalhados e "chapa 5" da realidade? Comprem antes a Rotas & Destinos camaradas.
Dizia eu...Pequim.
Como avaliar cada destino no fim de uma jornada? Eu tenho uma métrica simples: "Gostaria de viver aqui?"
Como não sou um rapaz muito esquisito, pouquíssimos são os sítios até aqui visitados onde não seria capaz de viver. Isto quer dizer uma de duas coisas...ainda vi muito pouco ou então, tal como os russos, onde pouso a mala, passa a ser "casa". Um pouco das duas.
No caso da capital chinesa a resposta é clara como água: não! Não seria capaz de viver em Pequim nem que o Jackie Chan me oferecesse a casa.
A economia chinesa cresce, como todos sabemos, a uma velocidade "2 dígitos". A sua principal cidade é o reflexo disso. Os arranha-céus aparecem nos subúrbios e vão comendo a "velha Pequim" em direccão ao centro. Dentro de uns anos sobrarão apenas Tiananmen e a Cidade Proibida como recordacão da China milenar.
O ar é tão poluído que ao fim do dia, depois de várias horas a caminhar, mal conseguia abrir os olhos.
Tenho normalmente espirito aberto para novas culturas e, se anseio por descobrir outros continentes, não me posso queixar das marcantes diferencas para a cultura/hábitos europeus. É exactamente essa diferenca que procuro. Como tudo na vida, algumas "diferencas" são mais fáceis do que outras. Pequim é uma cidade segura. Há esquemas para enganar turistas (como em qualquer cidade com visitantes) mas nada que alguma preparacão não evite. Andei longe das zonas turisticas no meio da "Pequim real" e nunca me senti minimamente ameacado. As meninas que se aproximam para "treinar o inglês", a passagem de notas falsas no troco, os táxis do mercado negro, os comerciantes com precos "só para turista", as excursões para a grande muralha com "direito a 2h em fábricas de jade", etc, etc. Está tudo nos livros.
Já a higiene é todo um outro filme.
Por recomendacão (tripadvisor) resolvi ficar a dormir na zona velha da cidade. Aquela parte onde as ruelas estreitas com casas baixas (Hutongs) ainda não foram devoradas pelo "progresso". O hotel (Beijing Double Happiness Courtyard Hotel) é um verdadeiro achado. Sigo quase sempre as dicas de outros viajantes. Se 500 pessoas dizem que é bom...não devem estar enganadas. Neste caso, todos os elogios são mais do que merecidos.
Nesta parte da cidade cada bairro tem uma rede de WCs públicos. É estranho sair de manhã e ver o pessoal com o penico na mão a caminho da retrete (no caso deles do "buraco no chão"). Voltei a 1984 e ao parque de campismo da Costa da Caparica. Por outro lado, olhando para os WCs reparo que são relativamente novos...imagino a javasquice há uns anos atrás.
Os chineses, pela amostra de Pequim, são, como dizer isto sem ofender, porcos. É isso. Porcos.
Cuspir, mijar, defecar e assoar (para o chão, à la Futre) fazem parte da "cultura". Certo, certo, certo. São as tais diferencas. Na Arábia Saudita atiram pedras bicudas a mulheres, na China borram-se na via pública. Vendo e aprendendo.
Deu-me um bocado a volta ao estômago confesso. Queria sentar-me num dos restaurantes desta zona e "comer como os locais", mas já não consegui. O gajo que se assoava para os dedos transportava as espetadas na caixa de plástico da bicicleta, entregando-as depois ao amigo que, numa cozinha envolta em paredes pretas (e não era tinta) as fritaria para mim. Ok, ok. Onde é que estava aquele restaurante com as estrelas Michelin mesmo?
Reza a lenda que durante os jogos olimpicos a populacão levou uma ensaboadela para não cuspir na via pública e tentar mostrar uma face mais civilizada aos milhões de visitantes esperados para o evento. Imagino a corrida às escarradeiras no fim das olimpíadas...deviam estar a ressacar. Vaaaaaaaaaaai.......já se foram embora......tudo a cagar no meio do chãoooo outra vez!!!
Convém dizer que, qualquer turista que siga o percurso "by the book", não vê nada disto. A zona das "hutongs" onde dormi aparece nos guias como "uma zona a visitar". Ou seja, passam por lá de riquexó e saiem sem parar na casa de partida. Saltam a "verdadeira China" mas ganham no vómito.
Assim que os chineses descobrirem para que serve uma sanita, uma passadeira desenhada numa estrada e uma fila de espera, estarão no séc.XXI.
Agora...porque é que apesar disto tudo Pequim é uma cidade imperdível? Por tudo o resto.
Para comecar, pelo pato à Pequim. Comi naquelas paragens o melhor pato da minha vida. Parece um lugar comum, mas é verdade.
A cidade proibida. O imenso refúgio dos imperadores que todos conhecemos no filme de Bertollucci. É absolutamente incrivel. Para quem ficou com esse filme na memória, percorrer aquelas ruas tem um sabor especial.
A praca Tiananmen palco de importantes manifestacões politicas. A devocão ao "Chairman Mao". A propósito, para quem morreu há mais de 30 anos, está com boa cara. A cera resulta.
Para mim o ponto alto foi a grande muralha. Nem poderia ser de outra forma. Ao contrário do que se publicitava, a muralha não se avista da lua. Foi uma manobra de propaganda como aquela do W.Bush ter um cérebro.
A muralha foi um projecto falhado, essencialmente isso. O objectivo era proteger o território chinês das invasões inimigas. Quase tão fácil como cercar a Sibéria de arame farpado (uma ideia brilhante do Estaline).
Os exércitos de Khan partiram da Mongólia e arrasaram a muralha. Os japoneses invadiram a China com aviões ("Honda, o que é aquilo ali em baixo? É a muralha do Mao, Suzuki!!").
Contudo, o fracasso militar originou um negócio da China para o turismo. A muralha foi a primeira loja dos 300. É de facto impressionante, imponente e bonita. Pequim tem 3 ou 4 seccões da muralha, a mais próxima a 60km da cidade, na direccão das montanhas. A vista é deslumbrante e a subida interessante. Se existir uma lista com os "10 marcos a visitar antes de bater a bota", a muralha será certamente um deles.
Fiquei com pena de não ter provado espetada de barata ou de escorpião. Essa sim, uma diferenca cultural que teria valido a pena.
Fica para a próxima passagem por Pequim, no fim do transsiberiano.
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