sábado, 5 de janeiro de 2013

Israel, Palestina e Egipto
























"Com o amor nao me mataste o desejo, com o amor, com o teu primeiro beijo" canta o rapaz no meu ouvido. Todo cheio de 80's power o camarada do mar. Salta-me aos olhos que esta lista de musica feita em mil nove e noventa ja merece um novo toque. Uma Adele ou essas coisas que os putos ouvem agora.
Comecamos a descer para Telavive. Estou dentro do aviao e os ventos cruzados ja me fizeram jorrar um Nilo de cada mao, mas isso foi ha 3 cervejas atras. Agora ja nao ha vento. Acho eu.
Resolvi alterar os meus relatos na Estacao Central e escrever enquanto a coisa acontece. Fará isto sentido qdo publicar? Duvido. Escrever num telefone e bom? Nem por isso.
Olho em redor e vejo caracois acompanhados de generosos narizes. Pululam israelitas. Gosto de pensar que os mais velhos, que vao dentro do aviao c oculos escuros, sao reformados da Mossad.
Uuuuuui, o rapaz do leme esta a virar isto tudo e a senhora do cafe a chatear-me. Tenho q desligar.
Passo seguinte: alugar um carro e seguir para Jerusalem. Falamos mais tarde."

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Ora, a intencao era boa...escrever enquanto vou viajando. Na teoria funcionava bem, na prática nem por isso. Mal saí do aviao em Telavive nunca mais parei. Vocês que andaram na escola, nao conhecem nada que transforme um relato (voz) em texto? Isso é que me dava jeito.
Esta é uma daquelas viagens que nao me deixou indiferente. Duvido aliás que alguém o consiga nesta zona do planeta. Há um misto de emocoes associadas à situacao política e humana que ali se vive.
Eu, como qualquer pessoa, tenho uma opiniao sobre a divisao do território. E é com essa opiniao que vejo o que me rodeia. Tenho simpatias e preferências. Era claro para mim, antes de partir, que neste conflito há um invasor e um invadido. O tempo que por ali passei nao alterou a minha opiniao.
O percurso foi aquele que a imagem do Google ilustra:
 - Telavive, Jerusalem (Israel e enclave árabe), Belém (Palestina), Jericó (Palestina), Ein Bokek (Mar Morto - Israel), Masada (Mar Morto - Israel), Taba (Egipto), Telavive.
O território que hoje em dia é "dividido" entre Israel e a Palestina é sensivelmente do tamanho do Alentejo. A riqueza histórica deste pequeno espaco é tao grande que semanas nao chegariam para o visitar. Se a isso juntarmos 3 mares (Morto, Vermelho e Mediterrâneo), o Deserto e proximidade de Petra (Jordânia) e das pirâmides (Cairo), percebemos o potencial turístico da regiao.
Eu estive por ali apenas 5 dias e optei pelo que era possível.
Jerusalém é uma cidade absolutamente fascinante e única. A sua parte antiga, dividida entre Arménios, Judeus, Muculmanos e Cristaos, é de uma beleza e imponência indescritíveis.
Eu sou ateu. Respeito a crenca religiosa embora tenha alguma dificuldade com o fanatismo. Nao percorro as ruas da cidade com os olhos de um crente. A rua onde Jesus carregou a cruz, o monte onde foi crucificado, o templo onde o profeta ascendeu aos céus (para os muculmanos) que por acaso é o sítio mais sagrado para o judaísmo (onde Abraao ofereceu o seu filho em sacrifício) - a igreja/mesquita com a cúpula dourada, o muro das lamentacoes dos judeus e mais uma série de monumentos relevantes para as diversas religioes. Há um cruzamento de fé e uma divisao de espaco. Jerusalém é importante para todos os credos.
Fora da cidade velha (ou seja, da fortificacao) temos, a Oeste, a parte judaica e a Este, o enclave Árabe. Embora todos ali vivam, sao os Israelitas que controlam todas as áreas, resultado da anexacao de territórios (neste caso à Jordânia) depois da guerra Israelo-Árabe de 1967.
Aliás, no que toca a anexar territórios os Israelitas nao brincam em servico. Em 3 guerras triplicaram o seu tamanho. Tiraram uma parte do Sinai aos Egípcios e chegaram assim ao Mar Vermelho. Os Montes Golãs conquistados aos Sírios servem hoje para a producao de vinho. A parte Este de Jerusalém e territórios da Cisjordânia, foram cortados do mapa da Jordânia.
Os territórios da Palestina estao cercados. É o único país do mundo (a ONU já os reconheceu) onde os seus próprios habitantes vivem em campos de refugiados. Há uma humilhacao diária para quem tem que atravessar aqueles pontos de controle. E expliquem-me, porque eu nao percebo...como é que se pode negociar com quem faz de nossa casa uma prisao? A situacao de Ramallah, Belem ou outros territórios da Cisjordânia sao uma aberracao. Nao há outro nome. É uma aberracao imposta pela forca, com o alto patrocinio dos EUA e com o desprezo e falta de coragem da restante comunidade internacional.
Os Israelitas criaram 3 zonas (A, B e C) dentro da Cisjordânia. Em teoria uma controlada por cada estado (A e C) e outra (B), controlada pelos dois. Mas depois sao eles que definem as regras do jogo. Decidem em que situacoes de emergência pode o exército entrar na zona controlada pela Palestina, decidem quem é que do outro lado pode andar armado (só o exército, a polícia nao) e por aí fora. Ou seja, é uma autonomia forjada. Ao mesmo tempo vemos em cada esquina miudos israelitas fortemente armados que desconfiam de cada melro que passa. Vasculham caixotes, massacram com perguntas, estao num estado de permanente alerta. Nao conseguem sorrir. Nao conseguem ser simpáticos.
No lado palestino, apesar da miséria reinante e da prisao a céu aberto, há espaco para um sorriso e para três dedos de conversa. A história do David e Golias continua actual mas em sentido inverso. E a culpa é nossa.
Saí de Jerusalém com um nó na barriga. Aquelas imagens revoltam-me.
Seguiu-se Belém (Palestina) e o ponto alto da fé. Um guia Palestiniano levou-nos à Igreja da Natividade (local do nascimento de Jesus) e às grutas onde viviam os pastores que viram a estrela e o anjo Gabriel.
Enquanto ele explicava todas as passagens biblícas o meu pai perguntava-me: "mas será que ele acredita mesmo no que está a dizer?"
Eu percebo que tentem vender o "produto" da regiao mas tudo aquilo me passou ao lado. Estava um coreano a tirar uma fotografia ao sítio onde o pastor viu a estrela enquanto eu olhava para os telhados das casas. Interessava-me mais perceber para que serviam aqueles enormes reservatórios pretos que se amontoavam em cada prédio. A falta de água nesta zona deve ser o prato do dia.
A romaria para beijar o local do nascimento de Jesus foi mesmo a gota de água. Empurroes, lágrimas e criancas com menos de 2 meses deitadas no mesmo sítio. A fé que move as montanhas. Ultrapassa-me mas respeito.
Peguei no carro e atravessei a Cisjordânia numa estrada controlada por Israel. Autonomia? Pois sim...
O cenário que se seguiu foi o deserto com paragem para almoco em Jericó. Ao fim da tarde estava em Ein Bokek, no Mar Morto, rodeado por russos.
Afinal é mesmo verdade...nao dá para ir ao fundo! Que sensacao esquisita a de "nadar" naquele mar.
Tenho que reconhecer a inteligência do povo Israelita. Num mar onde nada cresce, eles conseguiram instalar uma zona industrial. Tal como no deserto que o envolve...estufas e producao agrícola a perder de vista. Entre calhaus e areia, conseguem produzir laranjas. Tiro-lhes o chapéu.
Mais deserto e 200 km de "sempre a direito" até o Mar Vermelho aparecer à nossa frente. Numa distância de 20 km tínhamos acesso a 3 países, todos partilhando o Golfo de Aqaba.
Eilat, o Algarve de Israel, foi o ponto de chegada. Daí atravessámos para o Egipto. Uma decisao de que me viria a arrepender amargamente.
3 horas foi o tempo que levei a percorrer 500 metros. Saltar de Israel para o Egipto, como viajante individual (sem a protecao das agencias de viagens ou dos grandes grupos organizados), por terra e com um carro alugado, é um pequeno inferno. Perdi a conta ao número de vezes que fui revistado, mostrei o passaporte ou respondi à mesma pergunta. Alguns funcionários complicaram a passagem, no lado egípcio, tentando abrir espaco para um suborno, outros, mais directos, foram ao cerne da questão com um "give me some money".
O Egipto, pelo menos na fronteira de Taba, ainda é terceiro mundo. Lamento Cleópatra.
Depois desta esfrega ainda passei por mais 3 pontos de controlo DENTRO do hotel. Percebo as razoes para a desconfianca (mais de 60 turistas morreram neste mesmo sítio com bombas plantadas por fanáticos islâmicos) mas depois de tanto tempo perdido, tudo me parecia um gigantesco erro.
O Mar Vermelho foi a terapia certa para esquecer este bocado da viagem. Aliás, mar claro e com 17 graus em Janeiro, cura-me de quase tudo.
O regresso foi uma pequena loucura de 24 horas e 5 países, até abracar o meu filho.
Licao para a próxima: tracar o percurso de forma a que a última noite seja próxima do aeroporto.
Enfim, vivendo e aprendendo.
Esta é, até ao momento, uma das viagens da minha vida.
Próxima paragem: Buenos Aires e Montevideo.  

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