terça-feira, 18 de junho de 2013

Doha, Qatar





























Os Qataris fizeram a escolha errada no séc. XVI e nunca mais se endireitaram. Pediram ajuda aos turcos para correrem com os invasores, os Portugueses, esse povo tramado para nacionalizar o pasto alheio. Onde hoje se vê areia estariam belas calçadas portuguesas. Em vez da baklava, acompanhariam o chá com um pastel de nata. A burka existiria apenas em versão avental até aos ombros. Mas não, vamos aqui dar o braço aos turcos que eles normalmente são bons com novas amizades. Se os meus planos funcionassem, esta crónica não existiria. Não teria nada para escrever, contar ou partilhar. Mas os planos de viagem foram, tal como as escutas, feitos para serem ignorados. Queria fugir do frio e descansar um pouco. Estas últimas semanas de lavoura deixaram marcas nas costas de um velho marujo. Não vi, mas ele contou-me. Como praia pública não abunda, resolvi ir para um daqueles hotéis onde a areia vem incluída no pequeno-almoco. Dormir, ler e nadar com os tubarões. Para quem vive na Escandinávia, o “novo Médio Oriente” é uma excelente alternativa para uma curta visita ao Sol. Os vôos são rápidos e as promoções da Lufthansa (Abu Dhabi, Dubai e Doha) fazem o resto. Cheguei e comecei a executar o plano. Deitei-me portanto. Abri o livro do Mao e adormeci. Duas horas depois cheguei à conclusão que aquilo não era vida para mim e fui abracar a cidade. Primeiro erro: ninguém que abracar ninguém quando o termómetro se aproxima dos 40 graus e o vento sopra forte. É como se nos apontassem um secador de cabelo gigante. Estava alagado em suor ao fim de 10 passos. Doha é um viveiro de construtores civis. A paisagem é forrada por gruas e decorada com toneladas de Filipinos. Um Dubai em potência com um campeonato do mundo, bem pago ao que parece, dentro de 9 anos. Não me interessava saltar de estaleiro em estaleiro e tentei alugar um carro para ver as povoacões de pescadores mais afastadas do centro financeiro. Segundo erro: Doha ainda não está preparada para receber turistas como o seu vizinho dos Emiratos. Alugar um simples carro, parece ser uma tarefa complicada. Pedi indicacões no hotel. Recomendaram-me uma vila na costa. 45 minutos para lá chegar dizia um deles. 2 horas dizia outro. Chamaram um especialista. Nunca tinha ao ”norte do país”, apesar de ali viver há 15 anos. O ”país” tem aproximadamente a área de 1/3 do Alentejo e o ”especialista”, que informava os turistas, nem o conhecia. O caminho será longo. Então e o carro? Ninguém atende. Estão a descansar. Disseram-me para ir ao hotel X porque “eles lá fazem esse servico”. E é muito longe? Não, é já na avenida ali ao lado na direccão do centro da cidade. Liguei o secador gigante e fui, alagado e contente. Quando cheguei ao local, ninguém me sabia informar onde ficava o tal hotel. Cada uma daquelas pessoas não fazia a minima ideia sequer de onde estava. Perguntei num centro comercial, à senhora das informacões, para que lado ficava o centro da cidade. Ela já estava no centro da cidade, mas nem isso sabia. Explicaram-lhe coisas da porta do centro comercial para dentro, lá fora é todo um novo mundo. Alaguei um pouco mais a pele e cheguei ao hotel. Ao contrário do que me tinham explicado no meu hotel, eles não alugavam carros ali, limitavam-se a enviar clientes para a loja A ou B. Telefone? Já alguém ouviu falar? Um simples telefonema entre eles e tinham-me poupado uma hora de sauna.¨ Recebi uma morada e segui, de táxi, para o rent-a-car. Mal entrei perguntei ao condutor: ”sabe onde fica este sitio?”. Ele respondeu com um elucidativo: ”Sim, sim, sim!!!”. Duas rotundas depois ligou para alguém e comecou a pedir indicacões. Como falava num dialecto qualquer da Índia, só consegui apanhar 3 ou 4 palavras, mas ouvi o nome do restaurante que me tinha sido dado como referência. Ele seguiu caminho e eu abri o mapa. Vi a federacão de ténis do Qatar e o estádio de futebol. Uma auto-estrada com o nome de um califa qualquer e por fim, a embaixada americana. Cruzei os pontos no mapa e percebi que ele me estava a levar da Portela para o Marquês, passando por Cascais. Perto do destino, agarrado ao telefone, lá continuava o Abu perdido e sem saber onde ficava a loja. Mostrei-lhe o mapa e a volta que ele tinha dado. Ameacei com uma queixa na polícia e saí do carro, sem pagar nada. Ele não esbocou qualquer reaccão e foi-se embora. Estava furioso e entrei num tasco para pensar. Ninguém consegue pensar na rua…tinha o miolo a derreter. Sumo de melancia por aqueles lados é qualquer coisa de especial. Fiquei mais fresco. Perguntei à senhora do café onde ficava o aluguer de carros mais próximo. “No edificio seguinte”, disse ela. Menos mal.Tinham passado quase 4h desde que me levantara da toalha com vista para o mar e ainda não tinha conseguido chegar ao carro. A noite estava a chegar e já pouco poderia fazer senão conduzir de volta para o hotel. Levantei-me e pedi desculpa ao senhor que entretanto comecara a preencher a papelada. Fui-me embora e resolvi explorar aquela parte da cidade a pé. O que me poderia acontecer? Ficar suado? Em boa hora o fiz. Andei até o Sol desaparecer e o suor se transformar na outra parte de mim. Saltei na selva de betão que não contempla passeios. Ninguém anda a pé. Não vi um único qatari. Vi centenas de indianos, paquistaneses, filipinos. Autocarros cheio de trabalhadores que levantam Doha em turnos de 24h. Economias paralelas. Lojas, restaurantes, servicos. Feitos por e para emigrantes que aqui encontraram um salário. São um país dentro de outro. E já são a maioria, pelo que percebi. Passadas estas horas na Doha que não aparece nos videos publicitários, cheguei ao Souq Waqif, um antigo mercado transformado em atraccão turistica com restaurantes e lojas. Um novo mundo. Apenas turistas e locais. Os emigrantes que dormem em alojamentos não entram. Quanto muito dispersam-se pelas cozinhas. Ainda caminhei pelo enorme corniche, junto ao mar, até regatear o preco com o “dhow” que me levou para o outro lado. Voltei de Doha, destino que há muitos anos queria conhecer, com a mesma sensacão com que voltei do Dubai, há uns meses. “Daqui a uns anos”, quando as gruas se forem embora. Por agora já chega. Nem percebo muito bem esta bajulacão pelo turista/trabalhador ocidental. A meu ver atrapalha mais do que ajuda. No Dubai estão a construir uma ilha artificial em forma de palmeira. Em Doha existe um projecto semelhante (“Pearl Qatar”). O ultimo bairro habitacional que lá fizeram é…uma cópia de um canal em Veneza. Parece-me uma aberracão. Continuo a achar que é melhor exibir a nossa história, por muito pequena que seja, do que copiar a dos outros. O imponente museu de arte islâmica é um bom exemplo do que pretendo dizer. Fabuloso edifício, maravilhosa localizacão mas…pouco conteúdo e paupérrimas exibicões. Muito potencial, mas um longo caminho pela frente. Um resumo da cidade. Não basta fazer uma cópia do Dakota para se estar em Central Park… Esta viagem provou-me duas coisas. A primeira é que não tenho paciência para estar de perna estendida num resort, pelo menos não sem o meu filho. A segunda é que, enquanto andarem a encher o deserto de cimento, aquela zona do Golfo Pérsico vai ficar fora de rota. Tenho que descobrir um novo paradeiro para me encontrar com o Sol durante o inverno europeu.

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