Corria o ano de 2004 e eu, para não variar muito, andava a tropecar nos erros da vida.
Ainda não tinha descoberto o mundo encantado da "Lonely Planet" e resolvi fazer um guia de viagem para visitar a Croácia. Obrigado Autoeuropa pela impressora, pelos separadores e pela capa de plástico. Guardo-vos no coracão. A vocês e ao arroz-doce da cantina que era um mimo.
A Croácia ainda não tinha "rebentado" como destino turistico o que equivale a dizer que nem EasyJet ou Ryan Air montavam por lá o acampamento. Depois de alguma pesquisa percebi que a porta mais barata para entrar no país seria Rovinj. Um pequena vila costeira no norte que tinha a particularidade de ser o porto de abrigo do ferry que nos transportaria, em apenas 2 horas, de Veneza.
Veneza por sua vez estava a pouco mais de 2h de Lisboa num vôo bastante barato da sempre odiosa Iberia. Tudo se encaixava para entrar pela primeira vez nos Balcãs.
O plano era simples. Chegar e dormir em Rovinj, alugar um carro 50 km mais a sul, em Pula, e a partir daí descer a costa até onde conseguíssemos. O prazo estipulado seriam 11 dias.
Aquele pedaco de terra que hoje envolve o Adriático no lado croata foi, durante mais de 7 séculos, parte integrante do Reino de Veneza. Não é por isso de espantar a beleza de cada vila ou cidade que cruza o nosso caminho. São pedacos de Itália perdidos entre os vestígios do Império.
A influência dos italianos é grande. Na mesa, na arquitectura, nos hábitos. Em Pula, por exemplo, a maior atraccão turistica é um coliseu romano...
Rovinj, a pequena vila que nos recebeu, é de um encanto extremo. Principalmente nas ruelas da elevada parte antiga. Um destino por si só.
Seguimos em direccão a Zagreb, a capital. O único ponto no mapa em que nos afastaríamos do mar. Não será por acaso que um país com tanto mar escolhe para capital uma das poucas cidades que não o vê. Defesa, arriscaria eu.
Nesta altura, em 2004, as estradas que ligavam as principais cidades do país já eram óptimas. E a vista também. Chegar a Zagreb não custou nada, estacionar no centro já foi mais dificil.
Viajava com uma amiga de longa data. Descobrir é óptimo, mas descobrir com amigos por perto é inesquecível.
Zagreb revelou-se uma cidade agradável. Bonita, não muito caótica e com uma parte velha (Stari Grad) a fazer as delícias dos turistas. Não posso dizer que seja a minha zona preferida na Croácia, mas é sempre um prazer lá voltar.
Já não sei em que tasca/monumento/restaurante encontrámos dois outros portugueses que, curiosamente, tinham sido nossos colegas de curso. O mundo é um quintal.
Fomos beber um copo às docas lá do sítio. Pelo caminho, depois de nos perdermos algumas vezes, saí do carro num semáforo algures nos subúrbios da cidade e perguntei por direccões.
Os croatas são, de uma forma geral, gente simpática. À pergunta "do you speak English?" respondem sempre com um valente "Yes". Quando comecam a dar as direccões usam os bracos. Se não fosse a universal linguagem gestual ainda hoje estávamos a tentar encontrar Meca...
Aproximei-me e perguntei: "Do you speak English?". "Yes, I do", ouvi. "Agora comeca a cena dos bracos", pensei. Mas não. Inglês perfeito e aquilo que seria uma conversa de 30 segundos terminou em meia-hora, uma cerveja e as saudades do Tito. Uma amizade feita num semáforo que, 8 anos e mais algumas passagens pela Croácia depois, ainda perdura.
Saímos de Zagreb em direccão a Zadar, no regresso ao mar. Uma cidade branca. Famosa pelo seu orgão que compõe melodias aos sabor das ondas.
Não fizémos todas as reservas a partir de Lisboa. Algumas noites estavam garantidas, outras não. Continuámos a descer a costa em direccão a Split. Provavelmente a minha cidade preferida na Croácia.
Toda a cidade cresceu à volta do impressionante palácio do antigo imperador romano Diocleciano. Há vida no interior daqueles muros, há um arquipélago fora deles.
Foi nesta zona da Croácia (Dalmácia) que aprendi o conceito de "praia sem areia". Deu-me jeito quando aterrei de armas e bagagens na Suécia...
Praias de cimento, rocha, calhau, brita ou areia das obras. Tudo bem. A cor daquele mar compensa tudo. Não há praia como a nossa...
Ficámos duas noites a bater perna em Split. Uma senhora simpática, emigrante na Alemanha, tinha juntado uns marcos, recuperado uma vivenda e alugava agora quartos, com vista para o Adriático, bem perto do centro.
Tinha visto, ainda em Lisboa, uma imagem de uma ilha na Dalmácia (Supetar) com uma praia em forma de "cueca", Bol. O ferry partia mesmo ali à nossa frente.
Fomos desbravar. Areia, nem vê-la. Seixos sim. Metade das pessoas estavam nuas. Positivo.
O mar era limpo, calmo e cristalino. Dificil de esquecer.
Encontrar alojamento também não foi dificl. Alguns velhotes ofereciam quartos, rooms, chambres e até zimmers à saída do ferry. Depois era só negociar o preco. Tudo, tirando o primeiro hotel em Rovinj (um mamarracho ao estilo russo com precos papa-turista), foi para lá de barato. Até no subsídio de férias da Autoeuropa encaixava...
A auto-estrada terminava em Split. Dubrovnik, estava apenas a 300km mas o tempo já não chegava. Tivémos que voltar para norte, deixar o carro e apanhar o ferry para Veneza.
Lembro-me que fiquei com muita pena de não conhecer Dubrovnik. A estrada foi entretanto concluída e descer a costa croata até à fronteira com o Montenegro é hoje em dia, um "saltinho".
Regressei mais 3 vezes à Croácia. Curiosamente (ou não), em alturas particularmente dificeis da minha vida. Descobri Dubrovnik e fiquei encantado (há algures outro texto aqui no blogue sobre essa passagem).
Desde 2004 até hoje percorri quase todos os países dos Balcãs. A Croácia continua a ser aquele que mais gosto. Aliás, depois das paredes caiadas do Alentejo, quase que arriscaria dizer que a Croácia é o meu destino preferido no velho Continente. Mas claro...ainda há muita poeira para levantar. O "preferido" deixa potencialmente de fazer sentido em cada aterragem.
Não sei se cheguei a dizer, adoro a Croácia.
Sem comentários:
Enviar um comentário